O mal é uma das forças mais democráticas que existem. Em todo jardim, floresce a rosa negra que se torna o centro de todas as atenções e cresce aos poucos, mas constantemente, monopolizando os cuidados de quem trata do jardim. Um dia, contrariando todos os sinais, causa espécie que em todo o terreno tenha ficado só ela, a rosa mais estranha e mais bela, que não perde tempo e dissemina seu pólen por toda parte, até que perceba que despontam aqui e ali novos botões, igualmente graciosos; neste momento, resta pouco a fazer, uma vez que o charme, o viço, o olor dessas rosas plenas de mistério já lançam seu feitiço para muito além dos domínios de um pequeno canteiro. Não obstante a atmosfera do mal não seja a mais encantadora para a maioria dos homens, a natureza humana inexplicavelmente se deixa seduzir por seu vigor, e esse é seu maior trunfo. Capaz de ludibriar qualquer um com sua beleza destrutiva, o lado mais nefasto de cada um só consegue romper a fina casca que o envolve e se alastrar pelo coração do ser humano porque tem, antes de qualquer outra qualidade, o dom de ser maravilhosamente cativante.
Por que sabemos de tudo isso e assim mesmo nos deixamos capturar pelo mal, essa rosa negra de perfume incomparável? Essa é uma das perguntas que o diretor Olivier Marchal se empenha por responder em “Carbono” (2017) ao dotar de humanidade um comportamento bestial, de que decerto ninguém se orgulha, mas todos nos esforçamos em justificar, uns mais que outros e com mais brilho, até que o mal passe pela coisa mais ordinária que existe. Por mais que tivéssemos de repeli-lo de imediato, recusando também seus humanos representantes, o mal impera e por mais ignóbeis que sejam, há os criminosos que, munidos de astúcia diabólica, paciência franciscana e a força de vontade que passa ao largo de almas verdadeiramente boas, fazem nascer a empatia do cidadão virtuoso, justamente por saberem que integram o outro lado, um time menor, sem dúvida, mas aguerrido, barulhento, nunca disposto a se dar por vencido e sempre pronto a topar uma armação qualquer a fim de melar o jogo e ganhar no grito.
Homem comum, mas particularmente astuto, Antoine Roca começa a elaborar o plano que talvez lhe garanta muitos anos de boa vida e, de quebra, prestígio no submundo. Mafioso típico, o vilão de Benoît Magimel, se depara com traições, mortes de aliados, queimas de arquivo, justiçamentos, e faz de “Carbono” um filme especialmente perturbador. Amparado por Eric e Simon Wizman, de Idir Chender e Gringe, irmãos bandidos que estreitam ainda mais os laços de sangue com o crime organizado — outro clássico do gênero —, além de Kamel, o decano do crime vivido por Moussa Maaskri, Roca faz da pequena empresa que o pai lhe deixa um império, sofrendo reveses de dinheiro de tempos em tempos. Para garantir o máximo rendimento dos negócios, ele bate de frente com o Aron Goldstein, o magnata interpretado por Gérard Depardieu, que não por acaso é seu sogro. Seus imbróglios com a mulher, Dana, personagem de Carole Brana, entram como um estimulante respiro antirromântico no roteiro de Marchal e Emmanuel Naccache, de alguma forma também relacionados ao conflito central, a intoxicação acidental do bando por uma substância similar ao dióxido de carbono, que, por óbvio, desencadeia as consequências irrefreáveis a que se assiste em cenas pródigas de ação e bons efeitos especiais até o desfecho, sem margem para grandes turning points.
Filme: Carbono
Direção: Olivier Marchal
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 7/10