Suspense na Netflix te manterá imóvel no sofá e com coração saindo pela boca Christian Black / StudioCanal

Suspense na Netflix te manterá imóvel no sofá e com coração saindo pela boca

Homens comuns podem passar anos torturados por uma dor tão particular quanto exasperante, que sublimam mediante sessões de psicanálise, trabalho voluntário, atividade física ou a mera passagem do tempo que, dizem, cura tudo. A depender do temperamento de quem sofre, os traumas perduram por mais ou menos tempo, mas cientificamente qualquer evento dessa natureza que extrapole um mês já pode ser considerado uma patologia. Felizmente ou não, habituamo-nos às rasteiras que nos dá a vida, e quanto mais caímos, mais rápido aprendemos a nos levantar, quiçá até conseguindo estimar a velocidade da queda e o impacto do corpo contra o chão duro. A pele vai se tornando mais grossa, os ossos mais resistentes, e quando percebemos o que poderia nos matar há até algum tempo, hoje nos faz mais fortes e mais sábios. Não é pouco; tem gente que passa a vida tentando alcançar esse autocontrole, esse poder, detalhes que fazem uma diferença brutal em como iremos reagir frente às mudanças de vento ao longo da jornada, que pode ser longa e tormentosa.

Não é todo dia que um homem comum vira um matador impiedoso, ávido por vingar-se de quem transformou sua vida num martírio sem fim, mas quando isso acontece, há uma boa razão por trás — incapaz de a legitimar, mas que decerto inspira o sentimento da empatia mais vívida, ainda que muitas vezes envergonhada. Possuído pela ira, ímpeto que lhe permitiu continuar vivo, o anti-herói de “O Assassino: O Primeiro Alvo” (2017) não espera que lhe tenham pena, tampouco que o fado lhe sorria e se lembre dele. Seu caminho é solitário e melancólico, de uma tristeza que aniquilaria qualquer outro simples mortal, mas que para gente que já desceu ao nono círculo do inferno é só mais uma etapa rumo à salvação. A mão firme de Michael Cuesta mantém a história longe de narrativas sentimentaloides; em seu filme, predomina mesmo a condução acelerada, pródiga em sequências de lutas coreografadas magistralmente, com uma elaboração catastrofista no desfecho. Não por coincidência, o roteiro de Edward Zwick, Marshall Herskovitz, Michael Finch e Stephen Schiff abre com a hecatombe que dá azo ao mote central do enredo, construído como um mosaico em que as peças maiores ensejam a disposição de vários outros pequenos fragmentos, que adquirem importância conforme a história toma corpo.

O Mitch Rapp de Dylan O’Brien é um azougue em trucidar pessoas, mas não de todo tipo. Rapp era o típico americano tranquilo, que primeiro perde os pais num acidente de carro, sobre o qual a narrativa não se debruça e, algum tempo depois, viaja com a namorada Katrina, de Charlotte Vega, para Ibiza, arquipélago a oeste do litoral espanhol. Os dois acabam de ficar noivos, mas não têm ocasião para comemorar: a praia em que estão hospedados é atacada por uma quadrilha de terroristas de uma seita islâmica, sem que se saiba exatamente o que pretendiam os bandidos. Justiceiro por natureza, Mitch é o que o jargão militar chama de cachorro louco, porque não mede consequências para levar uma missão a termo. Prova disso é que, passando-se por um muçulmano fundamentalista, procura por conta própria uma célula da facção cujos membros assassinaram sua noiva, até ser recrutado pela CIA, que o envia para ser tutelado por Stan Hurley, o veterano da Guerra Fria e ex-fuzileiro naval vivido por Michael Keaton. Um dos trunfos de “O Assassino” é a forma como Cuesta trabalha o relacionamento de Mitch e seu novo chefe, dado a crises no começo, mas equalizado à medida que Hurley se conforma com a evidência de que disciplina não é mesmo o forte de seu pupilo — característica que o faz lembrar-se de si mesmo no início da carreira e que se mantém em alguma proporção, uma vez que suas quedas de braço com Irene Kennedy, a diretora da CIA de Sanaa Lathan, subaproveitada, são frequentes.

O filme segue essa fórmula, a do homem em busca de fazer sua vida e se refazer a si mesmo, em muito semelhante a “Linha de Frente” (2013), de Gary Fleder, até o desfecho com pretensões apocalípticas. É cinema macho com algum engajamento político, subgênero que renasce de tempos em tempos para alívio de seu público, nem tão vultoso, mas fiel até a medula. Mesmo com eventuais ruídos no corpo da trama, “O Assassino: O Primeiro Alvo” tem seus lances de destaque, sobretudo para quem tem familiaridade com as doidices do cinema e de muitos de seus criadores, mormente em produções como esta.


Filme: O Assassino: O Primeiro Alvo
Direção: Michael Cuesta
Ano: 2017
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10