A juventude é um período cheio de caprichos. Quando parece que se está acostumando aos altos e baixos da adolescência, superando as muitas dificuldades típicas dessa fase, ensaio do que ainda pode estar por vir, ela abre alas à vida adulta, quer se esteja pronto ou não. Desse momento em diante, as festas que redundam em bebedeiras inconsequentes, regadas a sexo sem compromisso e pais aflitos do outro lado da cidade começam a se tornar uma pálida lembrança, que marcha a galope para o esquecimento frente à necessidade de se ganhar o pão — até a evidência inescapável de que esse estilo de vida, mortiferamente tedioso, pode ser a mais equivocada das decisões. Há quem embarque na nau da sensatez da vida dita séria sem nenhum fumo de arrependimento, sem o menor receio de ser tragado pelo tédio, companheiro fiel de todo indivíduo maior de trinta anos, em maior ou menor proporção; da mesma forma, existem aqueles que resolvem abraçar as expectativas que os outros lhes devotam e acabam dando com a cara na porta da desilusão, bebendo das águas mornas da fonte da saudade e se condenando a levar uma vida miseravelmente tacanha, no entra e sai sem fim do labirinto da memória a divagar sobre como poderia ter sido sua vida se houvesse procurado em si mesmo a coragem de tentar outro caminho.
Ricky Gervais e Stephen Merchant decantam os sonhos de três desses jovens adultos, perdidos, atormentados, algo paranoicos, em “Cemetery Junction” (2010), uma metáfora construída sobre o humor britânico, conhecido por sua acidez, da necessidade de se crescer, mantendo-se intocado no que é mais relevante. Os diretores ambientam a história na década de 1970, um tempo pródigo em revoluções culturais em todo o mundo, de liberalismo econômico caminhando a passos largos, sobretudo na Inglaterra da gestão Margaret Thatcher (1925-2013), e de “Beatles” em início de carreira — nesse particular, chega causar espécie que o Quarteto Fabuloso nunca seja mencionado, mesmo que a estética da tríade de protagonistas lembre muito a banda, e que o nome de outro ícone britânico da cultura pop venha à baila, o de Elton John, qualificado como “música de macho” a certa altura.
A Cemetery Junction do título é um distrito de Reading, no centro-sul inglês, um amontoado de becos sem saída. A escolha do elenco não poderia ter sido mais feliz; Jack Doolan, que aqui responde por Snork, o gordo despachado, sempre pronto a disparar uma piada obscena e fora de hora, eclipsa a atuação dos dois galãs, o mocinho clássico Freddie, de Christian Cooke, tímido, mas ambicioso; e Bruce, o valentão que não hesita em comprar uma boa briga, a melhor das três performances, encarnado por Tom Hughes. Nenhum deles é rico — Snork é fiscal na estação ferroviária da cidade, onde vai se passar a sequência final do roteiro de Gervais e Merchant; Bruce se defende como pode no posto de metalúrgico e Freddie aceita o trabalho de vendedor de seguros de vida, argumento a partir do qual se desenrola o cerne da narrativa. Os três sonhadores se revezam no papel de protagonista, cada qual chamando para si a atenção de um público certamente já encantado com a desenvoltura dos intérpretes e a desafetação da história, até que o personagem de Cooke se coloca mais ao centro. O emprego na companhia de seguros, onde é chefiado por Mike Ramsay, de Matthew Goode, lhe possibilita o contato com pessoas de mais alta extração, como Julie. A personagem de Felicity Jones é justamente a noiva de Ramsay, e filha do senhor Kendrick, vivido por Ralph Fiennes, o dono da seguradora. O sentimento amoroso de Freddie por Julie, que ela primeiro tenta sufocar, mas a que acaba por se render, serve para que o rapaz tome todas as resoluções a que se assiste, tidas por, no mínimo, descuidadas. Quando escolhe seguir com seu plano — ele, justo o mais pragmático dos três amigos —, o filme já se encaminha para o final, elaborando bem as excelentes cenas de um conflito entre pai e filho que transcende a questão geracional.
As amizades podem não ser eternas, sobretudo as feitas nos verdes anos, mas a juventude. E é por isso que, com recados assim, “Cemetery Junction” agrada tanto.
Filme: Cemetery Junction
Direção: Ricky Gervais e Stephen Merchant
Ano: 2010
Gêneros: Comédia/Drama/Coming-of-age
Nota: 8/10