Uma mãe em pânico. Uma cidade-fantasma. Uma legião de mortos-vivos. Situações de desgaste emocional intenso podem ser acontecimentos isolados, mas quase sempre desembocam em episódios ainda mais dramáticos (e violentos também) quando não se pode contar com a devida assistência, ou mesmo com o ombro amigo de uma pessoa que nos queira bem e como tal suporte o chororô. Como a própria biologia, que possibilita a vida em todo o seu caos, o homem necessita de algumas certezas, por mais frágeis que se revelem. O gênero humano reflete a natureza no sentido mais amplo, de que também é parte, indisciplinada, selvagem, multifatorial, mas sempre escrava da lógica, e é aí que se inicia seu calvário. Aceitar o mundo como o conhecemos, ao mesmo tempo em que podemos nos deparar com as circunstâncias mais absurdas torna-se um dado da vida, uma das tantas faces da realidade, uma constante na jornada do ser humano. Para absorvermos tudo que escapa à compreensão racional, sem a qual não teríamos ido tão longe, há que se abdicar das convicções que se nos prestaram de guia pelo caminho, uma vez que a estrada vai em outra direção, refazer o erigido até então e acessar o mais obscuro de seu espírito, na tentativa doida de compreender as tantas mudanças e voltar à senda principal.
A protagonista de “Terror em Silent Hill” (2006) tenta não sofrer ao constatar o martírio da filha, tomada por pensamentos monomaníacos, mas ao tentar dar um fecho à agonia da garota, o diretor Christophe Gans confere a seu filme o aspecto de uma história friamente pensada para inspirar o pânico, sem mais maiores elaborações intelectuais ou circunvoluções retóricas, sem muita atenção ao drama mais refinado, abalizado filosoficamente, deixando o espectador diante de um cenário que o provoca, que o desafia, que o faz, ainda que inconscientemente, pensar no porquê de tudo aquilo. O bom terror tem essa medida muito particular dos conflitos que propõe, mas é também muito preciso nas viradas que emplaca, do contrário seria apenas humor negro. Gans sabe disso e não obstante seu pendor a esticar a corda além do razoável a dadas alturas, volta ao leito com certo método, sem se furtar a demolir as fortalezas emocionais do público e desarmá-lo.
Flertando com o cinema amador, experimental, o diretor se vale de efeitos visuais poderosos para a época a fim de ressaltar a agonia da heroína Rose da Silva — como se manter incólume diante de um personagem com esse nome? —, vivida por Radha Mitchell. O roteiro, de Gans, Roger Avary, Nicolas Boukhrief e Roger Roberts, aliado a elementos mais técnicos como a fotografia de Dan Laustsen, mostra que Rose enfrenta a situação mais torturante de sua vida. A filha adotiva Sharon, de Jodelle Ferland, é dominada por delírios persecutórios, em que menciona aos gritos a cidade de Silent Hill, um lugar ermo, completamente abandonado, nas proximidades do lago Toluca, na Califórnia. Apesar da desaprovação do marido Christopher, interpretado por Sean Bean, a personagem de Mitchell bota Sharon no carro e partem as duas para onde a garota vive em seus pesadelos cada vez mais absorventes. A computação gráfica povoa o quadro com criaturas meio mortas, meio vivas, assemelhadas a ratos, mais cômicas que propriamente terrificantes. A policial Cybil Benett, de Laurie Holden, que interpelara Rose pouco antes do desembarque em Silent Hill, segue com ela até lá e as duas passam a ser alvo do ataque dessas criaturas, que protegem Alessa Gillespie, interpretada por Lorry Ayers, a entidade que lidera a comunidade de monstros. A batalha entre o mundo real, personificado pela singela Rose, e o dos mortos-vivos de Silent Hill é a brincadeira proposta por Christophe Gans, que dá a seu trabalho precisamente esse formato, o de um jogo, algo mais lúdico que genuinamente assustador.
Filme: Terror em Silent Hill
Direção: Christophe Gans
Ano: 2006
Gêneros: Terror/Thriller
Nota: 8/10