Quando se alcança o privilégio de viver como se o amor fosse um direito adquirido de que nunca seremos obrigados a abdicar a mais sutil insinuação de que se está prestes a perdê-lo é capaz de gerar traumas inestimáveis. É esse amor que serve de fundamento a tudo de benfazejo que pode vir depois, tenha valor material, como o patrimônio que os dois erigem juntos, à custa de trabalho, ou represente o que de mais precioso pode existir para um casal que se ama, isto é, a família, e mais precisamente ainda, os filhos. Quando a vida em família está em ordem, a sensação é que tudo o mais, qualquer problema, por mais grave que pareça, já vem com sua respectiva solução — ainda que, em muitos casos, seja necessário procurá-la para além do óbvio. No momento em que distúrbios começam a se anunciar, a desarmonia se instala e tudo o que resta é a desilusão, quando não o desespero, é como se uma tormenta particular passasse pela vida de quem experimenta uma separação forçada, principalmente se definitiva, trazida pelas mãos da própria morte. Contornar o caos e encontrar motivação forte o bastante para incentivar a retomada é um desafio que nem todos vencem.
Um policial que não suplanta a morte da esposa tem de lidar com a carência dos filhos, um especialmente suscetível a traumas de outras naturezas — propósito particularmente difícil, uma vez que ele nem tem mais vontade de tê-los por perto, tão consternado ficou —, ao passo que se dedica a uma investigação sigilosa em que tenta decifrar o comportamento cada vez mais misterioso de seu parceiro, é o grande protagonista de “Os Cavaleiros do Apocalipse” (2008), a partir de quem o sueco Jonas Åkerlund recicla chavões e chega a uma história original, que imediatamente captura o interesse do público ao alternar suspense e lances rápidos com fluidez impressionante. A sequência inicial do longa, que mesmeriza pela crueza da violência, conduz o espectador ao raciocínio equivocado de que todo o roteiro de David Callaham será uma sucessão de cenas manchadas de sangue, porém o tratamento que Åkerlund confere a cada uma dessas subtramas prima pela sutileza — malgrado se vejam corpos suspensos por ganchos, o que apenas levanta a hipótese de que algo de criminoso (e de bárbaro) acontece. Aidan Breslin, o policial descrito acima vivido por Dennis Quaid, administra o choque diante de realidades francamente degradantes com as quais se defronta em seu ofício, mas está ele próprio doente, empenhado nas questões que o levam à chance da reviravolta em sua trajetória, malograda, conforme se apreende do que se vê. A pouco e pouco, o público começa a desconfiar de que o próprio Breslin esteja de alguma forma implicado no assassinato da esposa, enquanto personagens como a soturna Kristin Spitz, interpretada por Zhang Ziyi, entram em cena para tornar ainda mais nebulosa qualquer chance de solução a curto prazo. Coadjuvantes bem dirigidos, casos de Clifton Collins Jr., que dá vida a Stingray, o parceiro de caráter duvidoso de Breslin, e Lou Taylor Pucci, na pele de Alex, um dos filhos do personagem de Quaid, servem de reforços para o protagonista, que fica a um passo de denunciar o cansaço do enredo em certos trechos, precisamente quando o mistério começa a perder relevância e Åkerlund deriva para possíveis meios de desvendá-lo.
Com menos de hora e meia de projeção, o filme não vingou nos cinemas dos Estados Unidos e no Brasil só foi distribuído sob a forma de DVD. Boa parte do público decerto foi alijada da experiência de acompanhar uma história tipicamente fílmica, não exatamente genial, mas vigorosa, mormente se apreciada no ambiente saborosamente hermético de uma sala de projeção, envolta em sua escuridão reveladora. A frustração só não deve ter sido ainda maior porque Jonas Åkerlund, como se soubesse de alguma possível limitação comercial, conferiu a “Os Cavaleiros do Apocalipse” a dimensão multimídia de um trabalho que funciona em diferentes espaços. E para plateias as mais diversas.
Filmes: Os Cavaleiros do Apocalipse
Direção: Jonas Åkerlund
Ano: 2008
Gêneros: Thriller/Suspense
Nota: 8/10