Filmes de ação podem muito bem transcender sua natureza de sequências em que a violência de sangue escorrendo e ossos se partindo dão o seu recado e transmitir mensagens mais complexas. Dependendo de como o componente político entre nessas histórias, pode-se inferir que os temas ditos sérios tornam-se menos herméticos, quiçá até despertem imprevisíveis paixões, não obstante a ilusão de se imaginar que a qualquer um é dada a competência quanto a solucionar crimes e interromper abusos seja muito perigosa. Chega-se a um ponto em que a espera, por menor que possa parecer, inspira desconfiança e se tenta colaborar em alguma medida, o que é civicamente sadio; o problema, mais uma vez, é quando esse sentimento é tudo quanto resta a um povo, marginalizado, ultrajado, refém de situações de clara subjugação. A paciência, esse tesouro da convivência entre os indivíduos, mais e mais rara, vai adquirindo status de artigo de luxo, necessária, malgrado oculta nos corações dos homens de boa vontade. Cabe-nos a cada um de nós resgatá-la de algum jeito, a fim de fazer possível sobreviver.
Apesar do disse-me-disse, “Esquadrão 6” (2019) foi muito além do que se esperava. O filme de Michael Bay mistura produções das franquias “Missão: Impossível” e “Velozes e Furiosos”, aludindo também a outras pérolas do gênero, ao passo que ainda reserva fôlego para elaborar suas próprias teorias políticas, um tanto vesanas, que se diga a verdade, mas nem por isso desprezíveis. Recursos como as sequências plenas de movimento, tiros e perseguições automobilísticas, bem como as mulheres bonitas pipocando aqui e ali na tela, estabelecem um sentido demasiado humano a um enredo tão naturalmente árido, fruto do roteiro de destacada técnica de Paul Wernick e Rhett Reese. As piadas do filme resvalam no mau gosto, assuntos que deveriam ser tomados a sério sofrem um bombardeio de manobras galhofeiras e mesmo as ideias de tempo e espaço são submetidos a revisões conceituais. E tudo isso de caso pensado, para que se mantenha a atmosfera de ridículo do mote central, que avança sem pressa para a sátira sociopolítica, bem-feita, oportuna, precisa.
O bilionário excêntrico de Ryan Reynolds, o gênio por trás do alerta vibratório de mensagens e ligações, como insinua o texto de Wernick e Reese, fora capaz de urdir sua própria morte e sair dos holofotes, tudo por amor à humanidade. É claro que embaixo de todo salvador há um vaidoso, quando não um lunático, e Um (todos os seis personagens ligados ao tal esquadrão do título se fazem conhecer assim, só por meio de um número) não é diferente. O personagem de Reynolds é o comandante de uma turma de mercenários, que deixam suas rotinas para fazer o que consideram urgente, mas protelado pelos governos mundo afora, a grande metáfora apocalíptica do longa. O que Um e sua trupe querem é levar a termo um golpe de estado contra o autocrata que governa o Turgistão, país fictício que junta Turquia, Afeganistão, Quirguistão e mais algumas outras nações do mundo islâmico. Como não se fazem omeletes sem que se quebre alguns ovos, para “neutralizar” o inimigo, a operação teria de também exterminar centenas de civis, deixando claro que nenhuma decisão está isenta de suas tantas complexidades. Os planos de Um, escoltado pela Dois de Mélanie Laurent, uma agente dupla da CIA; Três, interpretado por Manuel Garcia-Rulfo, o matador profissional que conhece como poucos os meandros do submundo; o Quatro de Ben Hardy, perito em ações aéreas; a vigarista sem-qualificação-definida de Adria Arjona, a Cinco; e o sexto integrante, o motorista vivido por Dave Franco, além de Sete, o ex-atirador em tratamento contra um distúrbio psiquiátrico, papel de Corey Hawkins, como não seria de outra maneira, descambam em explosões e uma matança que sai do controle.
Não se sabe exatamente o que Wernick, Reese e Bay intentavam quando se propuseram o desafio de rodar uma história tão acintosamente inusual. O caso é que “Esquadrão 6”, ao contrário do que alegaram muitos críticos, se mantém na proa do entretenimento, ainda que gire o leme rumo ao mar proceloso do comentário político, e mesmo quando o faz, essa canoa permanece firme. É nonsense, é absurdo, mas antes de mais nada, é divertido. É o que basta e o que interessa.
Filme: Esquadrão 6
Direção: Michael Bay
Ano: 2019
Gêneros: Ação/Suspense
Nota: 8/10