Feito as cartas de amor, as histórias de amor, como escreveu o poeta lusitano Fernando Pessoa (1888-1935), sumidade no assunto, são ridículas, também por trazerem em seu bojo o signo da tragédia. Um amor que prospera e se firma, dada a natureza diversa dos amantes, é um milagre digno de celebrações para além da carne, e se não redunda em destruição e sua consequência mais evidente e mais brutal, a morte, deve isso à grandeza do mais humano dos sentimentos, que junta toda a força capaz de transformar o mundo que há em si e subjuga os instintos, bárbaros e vis quase sempre. Amantes são antes de qualquer outra coisa indivíduos e, como tal, cada um reúne no fundo de sua alma seu próprio universo, suas próprias questões, seus desejos inconfessáveis, seus sonhos tolos, suas idiossincrasias, seus medos. Vencidos todos esses obstáculos, talvez — talvez — haja lugar para o verdadeiro amor, que em sendo mesmo verdadeiro vence ainda o tempo, esse, sim, o senhor inclemente e indomável que põe e dispõe acerca da vida de cada criatura sobre a face da Terra e pode ajudar a tornar a existência de alguém ou excepcionalmente brilhante ou eivada do mais mortificante tédio.
“Te Amarei para Sempre” (2009) é decerto uma das comédias românticas mais graciosas de todos os tempos, sem nunca abdicar da mordacidade, sutil, como convém a uma história de amor. Mais um caso de filme cuja tradução do título resta absurdamente equivocada, teria sido melhor conservar a descrição da personagem de Rachel McAdams, “a mulher do viajante do tempo”, a fim de melhor situar o espectador, ainda que qualificá-la como alguém que se prontifica a dispensar seu amor a um homem por esta vida e além, em ignorando-se a toxicidade do clichê, do mesmo modo configura, em alguma medida, a poesia que o diretor Robert Schwentke e o roteirista Bruce Joel Rubin querem exaltar. A performance de McAdams, tornada uma mestra na arte de imprimir cores e texturas plurais a personagens naturalmente monótonos e rasos, é sem dúvida o que realmente importa aqui. Sua Clare, a encarnação do amor sereno, paciente, que tudo suporta em nome do que considera sua razão primeira de existir, faz da história uma construção narrativa muito superior ao melodrama fácil, que encanta, mas também amofina com a mesma competência. Igualmente sedutor é Henry, o personagem de Eric Bana, que consegue ser doce mesmo em tramas em que a virilidade colérica é um predicado essencial para a verossimilhança do que é levado à tela, caso de “Troia” (2004), de Wolfgang Petersen, e o faz também, por óbvio, neste trabalho. Muito adequado para um filme que, surpreendente, renuncia ao lugar-comum, comunica seus propósitos valendo-se muito mais do que deixa de dizer do que seria razoável explicitar, e demanda de quem assiste uma indulgência quanto a devaneios de ordem lógica — cronológica, mais precisamente. É essa a chave mágica para se apreender “Te Amarei para Sempre”, que encampa uma premissa absurda que o leva a um todo indiscutivelmente complexo, porém que, de em pouco em pouco, atinge o objetivo de tirar alguns dos véus de seu casal de protagonistas, sem, no entanto, remover antes da hora a camada de mistério por trás de Clare e Henry.
O personagem de Bana tem o dom nada invejável de poder viajar no tempo, o que faz dele um homem desditoso. Henry conhece Clare quando eles ainda são crianças, de uma maneira absurda, como não poderia deixar de ser, mas comovente assim mesmo, não obstante as discussões politicamente corretas — e boçais — a respeito de uma possível abordagem pedófila do mocinho, numa conjuntura muito específica, típicas de quem não se dá ao trabalho de contextualizar nada, ou não tem estofo intelectual para tanto. A pequena Clare, vivida pela esperta Brooklynn Proulx, se apresenta ao novo amigo, que literalmente cai do azul em seu jardim, e ele lhe diz que tem de ir-se embora, mas promete voltar logo. Tão misteriosamente como apareceu, Henry some, e os dois tornam a se encontrar quando Clare é já mulher feita, numa biblioteca. Ela o reconhece, vai até ele, mas pelo distanciamento do interlocutor percebe que Henry não sabe de quem se trata. Schwentke se vale de pistas assim quanto a dissecar o conflito fulcral dessa relação, aparentemente condenada a um encerramento melancólico, mas que acaba dando em casamento. Um casamento bastante peculiar, que a exemplo de todos os outros — e de todas as relações humanas, por extensão — clama por presença, por calor, por fogo. Metáfora bem elaborada das tantas distâncias a separar pessoas que se amam, se gostam e se veem obrigadas a serem felizes mesmo nesses intervalos.
Filme: Te Amarei para Sempre
Direção: Robert Schwentke
Ano: 2009
Gêneros: Romance/Ficção científica
Nota: 9/10