A adolescência é uma invenção da Revolução Industrial — especialmente quando embica para a segunda fase, entre 1850 e 1945, e, portanto, do capitalismo. Foi nessa época que as pessoas entre treze e dezenove anos deixam de ser consideradas como adultos em formação, ou pior, adultos em miniatura, e adquirem visibilidade, têm seus pleitos observados, conseguem se livrar da vigilância estrita dos pais, gozam de ainda mais influência junto aos irmãos pequenos e passam a vivenciar uma noção, ainda que pálida, do amor. Cada vez mais instruídos, uma vez que deixavam de trabalhar por até dezesseis horas consecutivas para frequentar a escola, os adolescentes foram desenvolvendo sua própria ideia do que é a vida, porque tiveram a possibilidade de travar contato com o mundo salvífico dos livros, por meio da literatura, da poesia, da filosofia. Ficou muito mais fácil elaborar raciocínios sólidos o bastante para arrostar os pais e mesmo vencê-los, malgrado muitas vezes prevalecesse o “porque eu não quero e acabou” materno e paterno, esse grilhão que mais liberta do que prende, mais defende que ultraja.
Em se considerando a montanha de livros que consegue vender, a americana Sarah Dessen decerto entende essas criaturas como poucos. Baseado no romance juvenil homônimo da autora publicado pela ID onze anos atrás, “A Caminho do Verão” (2022) volta todas as baterias sobre o pressuposto da relação amorosa (e seus empecilhos) entre dois jovens adultos, mediado pelas tantas descobertas feitas nesse período da vida. Auden é a encarnação da garota perfeita. Boa filha, estudiosa, ponderada, nada propensa às incontáveis extravagâncias dos indivíduos da sua idade, bonita e, o melhor, consciente de todas essas qualidades e madura o suficiente para domar a vaidade, a protagonista, vivida por Emma Pasarow com uma serenidade que, ao contrário de enfarar, revigora, consegue uma bolsa de estudos numa boa universidade e só deseja trabalhar para fazer a da vida um tempo menos falto de sentido, sobretudo na velhice. Por evidente, ninguém é tão maduro nem tão consciente numa idade em que grande parte das decisões são tomadas com base no que determinam os hormônios, ensandecidos, mas Pasarow tem o condão de fazer essa ponderação toda passar não por orgulho, mas por simples reflexão. E o mais importante, sem lições de moral.
É verão nos Estados Unidos, mas Auden se prepara para mudar da casa da mãe, Victoria, personagem de Andie MacDowell, em Nova York, para a do pai, Robert, de Dermot Mulroney, em Colby, no litoral. Robert constituiu uma nova família com Heidi, papel de uma inflexão surpreendente da parte de Kate Bosworth, com quem teve outra filha, mas repete os mesmos erros do primeiro casamento. Sofia Alvarez escolhe ancorar o roteiro, coescrito com a própria autora do livro, em Auden e ela não decepciona, nem a diretora, nem o público, ainda que deixe atônita a mãe, que esperava que a filha aceitasse trabalhar com ela num projeto de pesquisa na universidade em que é professora, mas a garota resolve ir para Colby precisamente para ser contadora na butique da madrasta, dando a justificativa perfeitamente compreensível — e altamente filosófica, inverossímil em alguém de tão pouca idade — de que tem de experimentar viver num lugar em que ninguém a conheça. Alvarez toma esse plot twist como a chance de elaborar um pouco melhor o jeito de ser complexo da personagem central de deu filme. Logo que chega, Auden parece que vai engatar um romance com Jake, o garanhão desinteressante de Ricardo Hurtado, mas em menos do que um estalar de dedos, percebe a superficialidade exasperante do rapaz e sai pela tangente. Algum tempo depois, fica sabendo que o garoto namorava Maggie, de Laura Kariuki (de longe a melhor performance de “A Caminho do Verão”), com quem rompera há pouco tempo. Para embolar um pouco mais a narrativa, as suas são colegas de trabalho, mas como este é um filme, como o título sugere, de consumo imediato e fácil digestão, tudo é resolvido a toque de caixa. Inclusive as severas psicopatologias de Eli, de Belmont Cameli, que reserva segredos de polichinelo no desfecho para cima.
É inútil tentar analisar o trabalho de Alvarez sob a perspectiva da obra de arte. Trata-se aqui do filme-pipoca mais típico, de puro entretenimento, e nisso se sai galhardamente bem. Incomoda, todavia, o ritmo desembestado em que os anticlímax se anunciam e se desfazem, mesmo que com alguma fluidez. A mensagem, importante, certamente ficaria melhor numa condução menos estabanada, mas num dia de verão sem praia, de céu meio enevoado, perde-se cerca de duas com “A Caminho do Verão” sem maiores dissabores.
Filme: A Caminho do Verão
Direção: Sofia Alvarez
Ano: 2022
Gênero: Comédia romântica
Nota: 8/10