Cheia de boletos pra pagar, Lana Wachowski faz um ‘Matrix’ medíocre

Cheia de boletos pra pagar, Lana Wachowski faz um ‘Matrix’ medíocre

Janeiro é o mais cruel dos meses. É uma longa ressaca que começa no dia primeiro e vai até o dia 31. Início de ano é assim mesmo. Um período em que você regurgita os excessos de dezembro, revisa as bobagens do ano anterior e promete que desta vez — DESTA VEZ! — vai ser diferente. Como dizia um ex-chefe meu, o Paulo Nogueira, “isso aí é o triunfo da esperança sobre a experiência…”

Mas, c’mon, esse ano tem eleição, gente boa. Além disso, o euro continua alto e mudar de mala e cuia para Portugal ainda não é uma boa ideia. Aguarde a primavera pra ver o que vai dar. Ela começa no final de setembro.

Comecei este ano com um livro novo do Charlie Kaufman, “Antkind”, que vem sendo uma ótima surpresa. Kaufman é diretor e roteirista. Foi ele quem escreveu três das melhores comédias dos últimos 20 anos: “Quero ser John Malkovich”, “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembrança” e “Confissões de uma Mente Perigosa”. Na verdade, chamar esses filmes de “comédias” não traduz exatamente o que são. Eles estão mais para narrativas psicodélicas de humor absurdista. É exatamente a mesma pegada de “Antkind”, primeiro romance de Kaufman, que estou no começo e torcendo para que minha empolgação dure até o fim do livro. Não tenho nenhum problema em abandonar livro chato, vocês sabem.

Também estou lendo “Questão”, lançamento fresquinho da Panini sob o “Black Label” da DC Comics. “Questão” foi a base para o personagem Rorschach, de Watchmen, uma série que, no início, iria apenas introduzir os personagens da Charlton Comics na DC. Mas Alan Moore fez uma obra tão iconoclasta e subversiva, que a editora preferiu publicá-la com novos personagens.

A Charlton Comics foi uma editora americana que existiu de 1945 até 1986, quando foi comprada pela DC. Foi na Charlton que Steve Ditko, co-criador do Homem-Aranha e do Doutor Estranho, inventou o Questão, um herói objetivista inspirado nos textos de Ayn Rand, escritora e filósofa que se tornou uma espécie de “Olava de Carvalha” da Nova Direita.

O Questão é um miliciano ainda mais invocado que o Batman, o garoto-enxaqueca de Gotham City. O texto do quadrinho é de Jeff Lemire e os desenhos são de Denys Cowan, com arte-final de Bill Sienkiewicz.

Comecei falando em ressaca e confesso que “Matrix Ressurections”, de Lana Waschowski, não me caiu bem. O filme não chega a ser abominável como “O Último Jedi”, por exemplo, pois tem um ponto de partida interessante. Neo (Keanu Reeves) nunca foi Neo, mas apenas o velho Mister Anderson, criador de um videogame chamado “Matrix”. Todos os delírios messiânicos de Neo não passaram de um surto psicótico e a bela e perigosa Trinity (Carry-Anne Moss) é só um “crush” que ele encontra num café chamado — atenção! — Simulatte.

“Matrix Ressurections” podia ser uma meta-ficção interessante e inventiva, como a terceira temporada de “Twin Peaks”, por exemplo, mas Lana Wachowski tem boletos pra pagar, como todos nós, e fez um filme convencional e sem brilho. Uma pena. Não é ruim, mas está longe de ser bom.

É isso aí. Feliz 2022. Esse ano será diferente. Aguardemos a primavera.