Turma da Mônica no cinema: Mauricio de Sousa é mais artista ou mais empresário?

Turma da Mônica no cinema: Mauricio de Sousa é mais artista ou mais empresário?

O filme “Turma da Mônica: Lições” é o melhor filme brasileiro de 2021, sem nenhuma dúvida. Conseguiu ser superior ao divertido “Turma da Mônica: Laços”, de 2019. Os dois foram dirigidos por Daniel Rezende, do anárquico “Bingo, O Rei das Manhãs”, e baseados nos romances gráficos escritos e desenhados pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi. Nos bastidores, orquestrando tudo, o lendário jornalista e editor Sidney Gusman, uma espécie de Kevin Feige, da Mauricio de Sousa Produções. Obviamente, nada seria possível sem o homem, a lenda, o mito em pessoa: Mauricio de Sousa.   

O vídeo linkado mostra de que forma se deu o caminho percorrido entre os quadrinhos e os filmes, de que forma Mauricio de Sousa se convenceu a deixar que outros artistas “brincassem com seus brinquedos”. Se quer saber como, não deixe de assistir.

O fato é que o verbete sobre Mauricio de Sousa na “Enciclopédia dos Quadrinhos”, de Fernando Goida e André Kleinert, o chama de “Walt Disney brasileiro”. Respeito! Todo mundo já leu alguma revista em quadrinhos da Turma da Mônica. Podemos até nos arriscar a dizer que gerações de brasileiros se alfabetizaram lendo revistas da Turma da Mônica. Esses quadrinhos, inclusive, são muito usados nas escolas. Sem contar os subprodutos paradidáticos, tipo “ABC da Turma da Mônica”, “A Turma da Mônica Viaja pelo Brasil”, “História do Brasil com a Turma da Mônica”, “Clássicos da Literatura Estrelados pela Turma da Mônica” e por aí vai. Produzidos em escala industrial, são BBB’s: bons, bonitos e baratos. E, ao contrário do que muitos desavisados defendem, é um universo criativo que evoluiu.

Recentemente, Mauricio de Sousa foi pressionado por certos movimentos sociais a incluir pautas da teoria de gênero em suas histórias. Exigiam que Magali trocasse seu lendário vestidinho amarelo por um azul (Mônica podia continuar de vermelho), que Cebolinha, Cascão e Chico Bento usassem rosa e aparecessem brincando de bonecas. Educadamente, serenamente, como é seu estilo, Mauricio de Sousa respondeu em entrevista para o jornal “Folha de S. Paulo”: “Não posso mudar o comportamento dos nossos personagens com novas bandeiras, novas tendências, novas ideologias, e arrebentar toda a nossa história (…). Se é uma bandeira que estão levantando agora, nós não devemos levantar junto. Se é uma bandeira que já foi empunhada pela sociedade, daí nós temos de estar lá”.

Ou seja, as revoluções no universo da Turma da Mônica obedecem ao ritmo da sociedade, não ao de movimentos organizados. Suas mudanças são lentas e graduais, reformando o que precisa ser reformado, sem rupturas bruscas, preservando a tradição. Por isso, nas histórias mais recentes, Chico Bento não solta mais balões de São João e Cebolinha parou de pichar muros para provocar a Mônica. Tina deu a entender que é gay. Na Turma da Mônica Jovem, versão em mangá dos personagens, a protagonista usa o bordão feminista “meu corpo, minhas regras”, Cebolinha (agora Cebola) fez tratamento fonoaudiológico para tratar sua dislalia, Magali tornou-se adepta de alimentação saudável e Cascão, de vez em quando, toma banho.

Mas a bomba veio depois. Após justificar sua posição, Mauricio de Sousa declarou: “Eu me coloco como um criador com um nível de cultura que tende para um conservadorismo”. Em outras palavras: a menina Mônica batendo nos meninos é algo profundamente feminino sem ser necessariamente feminista. Jeremias é um menino negro que concorda com Morgan Freeman. Papa-Capim não é um militante da demarcação de terras indígenas. Rolo sempre foi um porco chauvinista. Sansão é um coelho de pelúcia encardido azul. A Turma do Penadinho é pura tradição folclórica. Bidu não é um carnívoro vegetariano. O Louco explicita problemas do movimento antimanicomial. O Astronauta, como sua contraparte na vida real, talvez se tornasse ministro. Tudo justificado pela filosofia estoica do dinossauro Horácio, o alter ego do próprio Mauricio.

Mauricio de Sousa conhece seu eleitorado, ou seus consumidores. Pode ser um “artista conservador”, mas é um empresário altamente inovador. Inova de maneira tão discreta e certeira que faz suas novidades parecerem que sempre estiveram por aí. Afinal, quem não conhece os protagonistas do filme “Turma da Mônica: Lições” desde sempre?