7 grandes tesouros perdidos no catálogo da Netflix

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O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) era um humanista a seu modo. A obra de Nietzsche se caracteriza pela dureza, pelo pouco tato de que se utiliza ao lidar com as grandes questões que afligem o homem, um animal que pensa e que, justamente por causa de sua condição racional, mete os pés pelas mãos infinitas vezes ao longo de seus caminhos. A humanidade para Nietzsche é uma massa amorfa, indomável, que vaga pelo mundo sem noção muito clara acerca do que está fazendo, e que na maior parte dos casos apenas segue um líder ou alguém que se lhe apresenta como tal e é legitimado pela maioria, devotando-lhe seu destino e mesmo sua própria vida. Segundo Nietzsche, esses indivíduos seriam responsáveis por guiar suas respectivas sociedades rumo ao progresso, livrando-nas das armadilhas do pensamento massificado, mas, como o ser humano tem o verdadeiro dom de perverter tudo com que trava contato, a personalidade agregadora de alguém vigoroso o bastante para conduzir um grupo específico de pessoas se presta a exercer sobre elas um poder quase demoníaco, sugando-lhes a energia — e, mais concretamente, a força de trabalho —, no intuito de se tornar ainda mais invencível, valendo-se de uma qualidade rara, não muito palpável do ponto de vista da razão, considerada até sobrenatural por certos pensadores, o carisma. Nietzsche não falou sobre o carisma em específico, ideia amplamente desenvolvida por Max Weber (1864-1920), mas é evidente a relação entre esse conceito e a concepção nietzscheana do super-homem, absorvida com tal êxito ao longo dos anos que redundou mesmo numa interessante apropriação pela cultura de massa. Com o seu super-homem, Nietzsche quis mostrar a necessidade de se fomentar na natureza humana o gosto por se superar, por aceitar desafios sabidamente vultosos demais, vencê-los e provar-se constituído de uma matéria alheia aos outros mortais, sendo impossível, todavia, empregar esses poderes metafísicos e transcendentais em favor da coletividade, a fim de torná-la também superior — o que, claro, de tão improvável nunca aconteceria mesmo. Como dissemos antes, o homem tem uma capacidade muito sua no que diz respeito a torcer representações imagéticas e modos de pensar a seu talante, produzindo daí narrativas que, primeiramente, não condizem com o que se quis demonstrar e, por extensão, são sacadas para se coonestar expedientes que dão azo ao exato oposto do que se pretendia: foi o que houve com a noção do super-homem, interpretado à luz do nazismo. Um peão de rodeio, obstinado e completamente dedicado à carreira, que perde tudo o que tinha precisamente no exercício de sua atividade profissional, dispunha de todas as condições para se tornar um pária, um desajustado, um criminoso na pior das hipóteses mas, a muito custo, entende o propósito da desventura em sua vida; esse é o mote de “Domando o Destino” (2017), da chinesa Chloé Zhao, também diretora do aclamado “Nomadland” (2020) — que além de vencedor do Oscar de Melhor Filme, lhe conferiu o prêmio de Melhor Direção, e o de Melhor Atriz para a protagonista, Frances McDormand. A cantora outrora famosa, mas conformada com o ostracismo, de “Quién te Cantará” (2018), do espanhol Carlos Vermut, já acomodada com a tranquilidade da vida comum, mas que tem de voltar aos palcos por enfrentar sérios apuros de dinheiro, também suscita uma discussão relevante sobre renascimento e triunfo sobre as adversidades. Além de “Domando o Destino” e “Quién te Cantará”, há mais cinco títulos produzidos entre 2019 e 2006, os oito na Netflix, para saber o que fazer da vida em momentos em que até parece estar se descerrando a última cortina, mas que se revelam só uma breve pausa para o segundo ato.

Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix