Como a inteligência artificial pode melhorar Machado de Assis

Como a inteligência artificial pode melhorar Machado de Assis

Devo ao meu amigo Amilton Neves a descoberta de Copy.ai, uma inteligência artificial criada para produzir ficção. Sim! Aquietai-vos, musas! Chorai, escribas! Enfiai o dedo e rasgai, acadêmicos! Depois de destruir a mídia, a indústria da música, a verdade e a democracia, o Vale do Silício está determinado a arrasar com a literatura. Não que fosse preciso muito esforço, sejamos sinceros.

A coisa funciona assim: você entra no site, digita um texto-base, seleciona o idioma e pronto. A inteligência artificial recombina as palavras e as associa com outras publicações encontradas na Internet para criar algo inédito. Quer dizer, a IA faz exatamente o que William S. Burroughs e os poetas dadaístas propunham, só que sem cola, jornal ou tesoura.

Mas a coisa funciona? Pergunta o leitor de olhos arregalados ali no canto. Sim, você mesmo. Você que pretende virar contista e ganhar o Jabuti. Funciona? Bem, leitor de olhos arregalados, deixo essa decisão com você. Para testar a inteligência artificial, escrevi no site o primeiro parágrafo de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e pedi alternativas. Trinta segundos depois, a IA me forneceu o que segue abaixo. Reproduzo tudo exatamente como me foi mostrado, apenas arrumando a pontuação, acrescentando aspas quando necessárias e dando um título para cada trecho. Faça a experiência você mesmo em www.copy.ai.

O original do Machado

Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.

E agora, as versões da inteligência artificial…

Machado deprê

Claro, se o próprio livro de Stendhal tivesse apenas cem leitores, “Brás Cubas” também não teria tantos. Mesmo assim, eu ficarei feliz com cinco ou dez (menos de cinco me deixaria mais triste do que ter apenas um).

Machado marqueteiro

Como a citação acima sugere, Liev Tolstói lutou para encontrar uma centena de leitores para um de seus livros. O hotel Brás Cubas em Salvador de Bahia também tem semelhanças distintas com esta situação.

Machado metido

Surpreendente, talvez, mas a confissão de Stendhal não é completamente inesperada para muitas pessoas que leram seus livros. No entanto, não devemos ficar desapontados se este outro livro não tiver os cem leitores que Stendhal confessa querer. Afinal de contas, talvez apenas dez apreciem verdadeiramente este trabalho. Cinco? Talvez.

Machado autosuficiente

Mas eu tive uma visão diferente, uma visão que o próprio Stendhal teve. Ele se gabava de ter escrito um livro para apenas uma centena de leitores, e isso é algo que eu nunca poderia fazer. “Eu vou escrever para cinco ou dez leitores”, disse ele, “Pessoas com gostos similares aos meus. Pessoas que gostam de ler e são pacientes”.

Machado muito louco

Eu não sei por que Stendhal está surpreso por ter escrito livros que eu só vou ler uma centena de vezes. Nesse caso, talvez o Museu do Prado, em Madri, feche. Eu não estou preocupado, mas não é o meu estilo; eu não estudei pintura.

Machado sem foco

Stendhal escreveu para poucas pessoas que eram próximas a ele, eu não o culpo. Por muitos, muitos anos, este livro ficou na minha estante como uma lembrança de alguma viagem, da qual eu não conseguia nem me lembrar e onde o tinha comprado. Eu reconheci em algum momento que no canto superior direito da capa havia uma inscrição com meu nome, então um dia eu decidi lê-lo.

Machado crítico literário

Na introdução de seu livro, “The Charterhouse of Parma”, o autor e filósofo francês Henri Beyle (mais conhecido pelo seu pseudônimo Stendhal) confessou ter escrito um de seus livros para cem leitores. Por mais surpreendente ou desanimadora que seja esta admissão, não devemos nos surpreender se, depois de muitos anos, “Brás Cubas” não tiver os cem leitores de Stendhal; no máximo, dez.

Machado sincerão

Stendhal disse uma vez que escreveu um de seus livros para uma centena de leitores. Surpreendente? Sim. Desanimador? Na verdade, não. A verdade é que muito poucos autores podem afirmar que têm uma audiência de cem leitores.