Não é o amor que me incomoda, são os protocolos

Não é o amor que me incomoda, são os protocolos

Tenho dificuldade com o burocrático. Processos racionais que envolvam mais de três passos me cansam. Queria viver o amor pelo amor. Sem datas e cronogramas, início, meio e fim, endereços, certidões, posturas e padrões. Não é o amor que me incomoda, são os protocolos. O amor, quando cheio de si, gosta de trazer surpresas. Às vezes boas, às vezes ruins. Podemos abster-nos de todas elas, admitindo que não amar é uma opção. Não iniciar, não terminar, não viver esses ciclos, com suas aflições e medos. Começos e fins soam como fardos, quando penso que alimento algo que pode morrer. Talvez seja esse o gatilho do ‘não amor’. Talvez seja instinto de sobrevivência, de autopreservação. Mas, sendo opção, e eu optando assim, abro mão de alguma espécie de beleza oculta na tristeza do amor, não sofrendo por amar?

Penso no amor que abre portas e, ainda, consegue admitir pra si mesmo que ama o próximo. Coitado desse amor: morre tentando se encontrar. Ele até curtiu vários perfis, mas sufocou-se de tanto filtrar personalidades pueris em universos digitais. Os canais, os pixels e códigos parecem cegos ao real. As polaridades analógicas perderam-se entre os app de encontros e matchs.

E parece que volto para a rede. Mas, dessa vez, a dos sistemas normativos. Gostaria de ouvir a voz, o tom e som do amor perdido. Deixo-me fantasiar um resgate genuíno desse sentimento secular incompreendido, incompreensível. Irracional por origem. Deixo-me imaginar um amor sem protocolos sociais. Imagino um cenário por onde o amor possa estar — na sala de jantar, perdido pelo quarto ou aterrorizado no sótão? Poderia um amor estar perdido? Será que busco um amor de bússola, em tempos de GPS?

Talvez me sirva melhor um amor animal, instintivo, carnal, desapegado de regras. Talvez sejamos feitos para essa forma simples e livre de amar. Que me parece esquecida em algum canto ou lugar. Que precisa que o corpo acorde e se lembre. Esse corpo que carrega, também, uma memória ativa a tudo que nos acontece repetitivamente. Aprendemos e vivemos por repetição. Somos semelhantes àqueles com quem convivemos.  Se o amor não encontrou o caminho, deve ser pelo lapso de nunca ter estado nesse lugar.