Pequeno dicionário cínico das palavras da moda

Pequeno dicionário cínico das palavras da moda

O jornalista, editor e escritor Ambrose Bierce compilou ao longo de 25 anos os verbetes e poemas que formariam o “Dicionário do Diabo”, um dos livros mais hilariantes de todos os tempos. Os primeiros verbetes apareceram em 1881, publicados esparsamente em diferentes jornais. Bierce não aprovava dicionários, definindo-os como um “maligno instrumento literário para limitar o crescimento de um idioma e torná-lo duro e inelástico”. Justamente por isso atribuiu esses escritos ao próprio Diabo, que estaria zombando das pretensões e hipocrisias humanas. Cinismo é a melhor palavra para definir verbetes como “crítico: pessoa que se vangloria de ser difícil de agradar porque ninguém tenta agradá-lo” ou “lixo: material sem valor, como religiões, filosofias, literaturas, artes e ciências das tribos que infestam as regiões ao sul do Polo Norte”. Ambrose Pierce teve um fim misterioso, desaparecendo em 1914 enquanto cobria as ações dos rebeldes liderados por Pancho Vila durante a Guerra Civil Mexicana. Mas, como ensinou Baudelaire, “o truque mais esperto do Diabo é convencer-nos de que ele não existe”. Alguém sempre assume a pena. Neste espírito endiabrado, preparei um breve compilado de palavras da moda que, provavelmente, Ambrose Bierce incluiria em seu possesso dicionário.  

Ambientalismo: nova religião secular.

Amor líquido: boa sacada de filósofo sério que queria ficar pop e vender livros. Autoajuda para intelectuais.

Anonymous: militantes ateus anarquistas quem usam como símbolo a máscara de um conspirador católico.

Arte contemporânea: arte moderna batida no liquidificador, mas sem aura.

Astrólogo: tratamento positivo se for Fernando Pessoa. Negativo se for Olavo de Carvalho.

Cancelar: maneira mais fácil de achar que venceu uma discussão sem ter argumentos.

Censura nas redes: (conteúdo retirado por conter informações imprecisas, manipuladas ou que podem induzir ao erro)

Ciclista: bicicleteiro com consciência social.

5G: espionagem. Pornografia que não trava.

Comuna: liberal conservador antes de ser assaltado.

Crossfiteiro: mercado futuro para consultórios de ortopedia.

Discurso de ódio: qualquer coisa que eu não concorde.

Doutrinação: falar sobre algo no qual acredito e acho que deve ser difundido ao mesmo tempo em que nego terminantemente estar fazendo isso.

Educação a distância: estratégia pedagógica que visa o fomento da não aprendizagem caseira em detrimento da não aprendizagem em ambiente escolar.

Fake news: antigamente era chamado de mentira ou boato. Algumas vezes são fatos que comprovam de maneira definitiva o que você considera discurso de ódio.  

Fitness: quem faz exercícios físicos e dieta por vontade própria.

Hacker: pessoa que vê seus nudes sem você enviar.

Hater: pessoa que você não adicionou em sua rede social. Variação: pessoa que você adicionou em sua rede social.

Influenciador: vítima preferencial do cancelamento. Desempregado. Efeito colateral da difusão das mídias sociais e facilitação de acesso à tecnologia celular.

Lacaniano: forma de ser freudiano sem ser freudiano e sem, necessariamente, ter entendido o texto.

Lockdown: vertente contemporânea da medicina medieval.

Mudanças climáticas: solução semântica encontrada pelos defensores da teoria do aquecimento global diante de evidências científicas ruins para os negócios.

Negacionismo: ver Discurso de Ódio.

Perfil fake: espionagem social.

Performance: qualquer coisa.

Piriguete: personagens de Shakespeare e Jane Austen adaptados para dramaturgia contemporânea.

Politicamente incorreto: tudo que passava na Sessão da Tarde na década de 1980.

Pronome neutro: alternativa ao necessário e exaustivo estudo dos pronomes pessoais na norma culta. Humor involuntário.

Rachadinha: equivalente ideológico ao desvio bilionário de recursos públicos.

Reaça: liberal conservador depois de ser assaltado.

Redes sociais: solidão compartilhada. Exercício de criação de universos ficcionais. Funil de vida.

Subcelebridade: alguém famoso apenas na internet.

Vegano: pessoas obrigadas a consumir fontes alternativas de proteína. Consideram os vegetarianos indivíduos cruéis com peixes e ladrões de leite. Os puros. Fonte de proteína se estiverem perdidos em uma savana africana.

Teoria da conspiração: interpretação criativa da realidade.

Terra plana: ideia antiga vendida como nova.

Tuitar: ver Tretar.

Tretar: revelar verdades inconvenientes.