Eu era um drogado. Eu era um perdido. Eu era um noiado. De 2007 até — deixa ver — 2018, mais ou menos, fui um viciado em Twitter. O microblog começou em 2006, então sou praticamente um tuiteiro de primeira hora. Escrevia sem parar, produzia um aforismo a cada meia-hora, palpitava sobre absolutamente tudo e me engajava em todos os Trending Topics. Tinha que tuitar, tuitar, tuitar.
Hoje, estou um pouco melhor, obrigado. Tento limitar meus tweets a uns três ou quatro por dia. Talvez cinco, às vezes, seis. Tenho minhas recaídas, sei disso, mas estou melhorando. No início, o Twitter era um espaço para gente divertida e engraçada que conseguia se expressar com apenas 140 caracteres. Cada palavra contava e não havia imagens. Hoje, o microblog é tecnologicamente muito mais bacana. Permite textos maiores, threads, vídeos e fotos. Por outro lado, virou a feirinha mundial da intolerância. As tretas, os cancelamentos, os xingamentos e as ideias inúteis começam todas no Twitter. É lá que as pessoas propõem destruir a língua portuguesa, turbinam perfis direitistas, pregam o stalinismo e fazem campanha contra a J.K. Rowling. Enfio todas essas ideias ideologicamente dissonantes no mesmo saco porque elas funcionam do mesmo jeito. Os membros de um círculo — uma “bolha”, se preferir — se comunicam apenas entre eles e é por isso que as ideias cretinas ficam populares. Nos bons e velhos tempos, ninguém teria coragem de se proclamar terraplanista, stalinista ou linguista que quer substituir “o” pelo “x”. Mas, hoje, com todo mundo vivendo virtualmente em guetos homogêneos, ninguém tem mais a real dimensão do ridículo. Aquecimento global, por exemplo, virou questão de opinião. Usar máscara na pandemia também. Até o coronavírus, que mata, é motivo para discussão. E é por causa dos guetos, das bolhas, que o apoio à democracia despenca no mundo inteiro. Democracia pressupõe diálogo, aceitação da diferença e negociação. Cancelar ou guilhotinar quem pensa diferente não é democracia, é outra coisa.
O curioso é que, enquanto todo mundo se estapeia nas redes, o capitalismo promove a maior concentração de renda da sua história. Jeff Bezos é tão rico que pode mandar um foguete particular para a Lua. Na verdade, Jeff Bezos é tão rico que pode até comprar um jornal historicamente democrata, o “Washington Post”, para brincar de progressista enquanto cada vez concentra mais capital.
A Internet libertária e anárquica dos anos 90 não existe mais. A rede está tornando o mundo pior, mais burro, mais intolerante e mais injusto. As corporações multimilionárias e transnacionais que dominam a web dividem usuários em nichos não apenas por razões comerciais, mas também políticas. Se não há consenso sobre nada, como alguém pode deter a voracidade tec da Califórnia? Tá, tá, tá, eu sei, parece teoria conspiratória, mas não é. Uma conspiração é feita nas sombras, já a ação desagregadora da web é feita às claras. Só Losurdo não escuta e só Locego não vê. O documentário “O Dilema das Redes”, da Netflix, que assisti recentemente, apenas reforçou algumas convicções que eu já tinha. Se você não viu, veja. Vale a pena. Como explica o doc, só dois tipos de negócios chamam o cliente de “usuário”: o tráfico de drogas e a web.
E é justamente por isso que estou tentando me curar do meu vício. Não me entenda mal, adoro o Twitter e gostaria muito que ele voltasse a ser o que um dia foi. Mas sei que isso é impossível. No microblog, mesmo quando se investe contra uma ideia cretina, você está dando palco para ela. Está batendo palma pra maluco dançar. Está promovendo a intolerância, celebrando a ignorância e ajudando o Vale do Silício a concentrar cada mais riqueza. Pense nisso antes do próximo tweet. Eu estou pensando. Eu estou tentando.