Stálin, o estranho caso do facínora com fã-clube

Stálin, o estranho caso do facínora com fã-clube

O planeta Terra tem mais de 8 milhões de espécies diferentes, mas apenas uma delas mata por divergência de opinião. Tubarões devoram, serpentes picam e elefantes pisoteiam, mas só o homo sapiens extermina quem pensa diferente dele. Devido à sua natureza selvagem, a história humana tem uma grande coleção de sociopatas, mas poucos são iguais a Josef Stálin, o sucessor de Vladimir Lênin no comando da União Soviética. Ao contrário de Torquemada, Calígula ou Vlad Tepes, o Empalador, Josef Stálin tem fãs.

Stálin ficou no poder de 1924 a 1953. Nesse período, calcula-se que ele tenha sido responsável pela morte de 20 milhões de pessoas nos gulags (campos de trabalho forçado) e nas transferências populacionais em massa. Essa estimativa é do historiador britânico Simon Sebag Montefiore. E é conservadora. Alguns falam em 60 milhões de cadáveres, mas vamos ficar nos 20 milhões, que é uma Minas Gerais inteira, da Bahia ao Rio de Janeiro. Entre 1936 e 1939, no chamado Grande Expurgo, a taxa de execução era de 1000 pessoas por dia. Nem Robespierre foi tão eficiente.

Os fãs argumentam que Stálin salvou a Europa de Adolf Hitler. De fato, foram os soviéticos que tomaram Berlim, ao contrário do que mostram os filmes de Hollywood. Mas também foi Stálin quem possibilitou a consolidação do poder nazista com o vergonhoso pacto Molotov-Ribbentrop, que entregou a Polônia para a Alemanha. Três milhões de judeus foram assassinados nos campos de concentração montados no país. Dois milhões de poloneses não judeus foram mortos em batalha.

O interessante é que Josef Stálin não era um ogro. Ele era um intelectual bem preparado e sabia muito bem o que estava fazendo. Ele foi editor do “Pravda” e o grande estruturador do Partido Comunista. Leon Trótski o acusou de ter trocado a revolução pelo “culto à personalidade” e pela hegemonia da burocracia como nova classe dirigente da União Soviética. Stálin não gostou e mandou assassinar Trótski.

O ditador tinha especial desprezo por quem pensava. Raciocinar leva à discordância, e nenhum tirano tolera isso. Calcula-se que 2 mil escritores, cientistas e artistas tenham sido executados nos anos 30. Daniil Kharms, um mestre do humor absurdo, foi internado como louco e morreu de fome. Isaac Bábel, contista estimado por Rubem Fonseca, foi preso e fuzilado. Alexander Soljenítsin foi condenado a trabalhos forçados na Sibéria. O satirista Mikhail Bulgákov conseguiu escapar com vida, mas seus trabalhos só foram publicados nos anos 1960. Na sua megalomania, o comissário chegou a fechar o departamento de meteorologia soviético porque as previsões não favoreciam seus planos para a agricultura.

Os crimes de Josef Stálin foram revelados por seu sucessor, Nikita Khrushchov, em 1956. Os principais intelectuais ocidentais deixaram de fazer festinha para ele depois disso. Jean-Paul Sartre, por exemplo, fez um mea-culpa público, enquanto o Albert Camus repetia: “Eu avisei, eu avisei!” 

Só gente muito sem noção leva o stalinismo a sério hoje em dia. Uma dessas criaturas é o cientista social russo Aleksandr Dugin, que além de fã de Josef Stálin também curte Adolf Hitler, o czarismo e produziu um livro em parceria com Olavo de Carvalho. Faz sentido, portanto, que o Brasil agora tenha inventado “influencers stalinistas”. Depois de desenterrar o terraplanismo, o monarquismo e o integralismo, chegou a vez de tirar da cova também o stalinismo. Como diria Millôr Fernandes, “quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil”.