Proibir uma obra de arte é sempre uma má ideia

Proibir uma obra de arte é sempre uma má ideia

O filme mais odioso da história é “O Nascimento de uma Nação” (1915), de D. W. Griffith. Baseado no livro racista “The Clansman”, de Thomas Dixon Jr, a produção romantiza a fundação da Ku Klux Klan e trata como heróis os caipiras vestidos com lençol. Até os anos 1970, “O Nascimento de uma Nação” era usado na campanha de recrutamento da organização, como é mostrado em “Infiltrado na Klan” (2018), de Spike Lee.

Naquele filme, contudo, o diretor D.W. Griffith usa pela primeira vez closes e efeitos especiais, ampliando as possibilidades da narrativa cinematográfica, que ainda estava na infância. Por conta disso, ganhou a admiração do cineasta russo Serguei Eisenstein, que aprimorou a técnica de Griffith em “O Encouraçado Potemkin” (1925). Sem Griffith talvez não houvesse Eisenstein e, sem o “O Encouraçado Potemkin”, uma das cenas mais marcantes de “Os Intocáveis” (1987), de Brian De Palma, também não existiria. O tiroteio na escadaria da estação de Chicago, que leva à prisão de Al Capone, é uma recriação de uma sequência de “Potemkin”, quando uma tropa de cossacos massacra uma manifestação pacífica a golpes de baioneta. O mesmo carrinho de bebê desamparado desliza escada abaixo em Eisenstein e De Palma.

Pior do que D.W. Griffith, só mesmo a cineasta alemã Leni Riefenstahl, que foi fundamental na estratégia de Joseph Goebbels, o marqueteiro de Hitler. Em 1935, ela fez um documentário chamado “O Triunfo da Vontade” que mostra o sexto congresso do partido nazista em Nuremberg. Tem gente uniformizada carregando estandartes ao som de música erudita e os discursos apopléticos do führer Adolf. No entanto, os inusitados ângulos de câmera e a beleza das imagens de Riefenstahl são extremamente importantes para que se entenda a estética do fascismo.

No documentário “Arquitetura da Destruição” (1989), o sueco Peter Cohen defende que o nazismo era, antes de tudo, um projeto estético. A erradicação da arte moderna, o monumentalismo arquitetônico, o assassinato dos doentes mentais, o extermínio das “raças inferiores” e o cinema de propaganda de Goebbels são facetas de uma mesma sociopatia. Os nazistas queriam destruir a civilização “cientificista” para restaurar um mundo primitivo de beleza “helenista” e ideais medievalistas.

O documentário de Peter Cohen talvez não fosse possível sem Riefenstahl e Quentin Tarantino jamais faria “Bastardos Inglórios” (2010), que gira todo em torno do cinema de propaganda nazista.

George Lucas também teria problemas. A imagem do Império em “Star Wars” (1977) é todo calcada em “O Triunfo da Vontade”. Os stormtroopers, os uniformes dos oficiais, o elmo de Darth Vader… Tudo vem dali. E própria ascensão de Palpatine nas prequels parodia a de Adolf Hitler. Sem Leni, “Star Wars” talvez não alcançasse o mesmo sucesso e, possivelmente, a cinematografia dos anos 80 seria completamente diferente. Produções como “Indiana Jones”, “De Volta para o Futuro” e “Blade Runner” só saíram do papel depois que a space opera de Lucas se provou lucrativa.

A criação artística é uma teia de relações e a remoção de uma única peça pode ter consequências imprevisíveis. Destruir ou proibir uma obra nunca é uma boa ideia, mesmo que o propósito seja o mais nobre possível. Na Idade Média, a igreja católica queimou inúmeros livros pagãos, especialmente de filósofos gregos. O objetivo era propagar o amor cristão ao próximo, mas o resultado foi um apagão cultural de 1000 anos.