“Reality Z” é um reflexo distorcido do Brasil de Bolsonaro

“Reality Z” é um reflexo distorcido do Brasil de Bolsonaro

Os mortos-vivos foram chegando aos poucos e tomando conta dos quadrinhos, dos filmes, das séries de TV. Hoje, eles são tão presentes quanto os super-heróis. Faz sentido. O super-herói é que o almejamos ser, o zumbi é o que de fato somos.

A mais recente produção do gênero é a série brasileira “Reality Z”, da Netflix. A série é uma adaptação de “Dead Set”, criada pelo britânico Charlie Brooker antes do sucesso de “Black Mirror”. Brooker começou sua carreira como jornalista. De 2000 a 2010, ele assinou uma divertida coluna de humor no “The Guardian”. O texto era satírico, irônico e levemente pessimista, na melhor tradição do humor inglês. Uma boa sátira precisa ser incômoda e não necessariamente engraçada. A graça, quando existe, nasce da perplexidade e do estranhamento. É esse o segredo do sucesso de “Black Mirror” e também de “Reality Z”, que resultou muito melhor que a série original de Brooker. A razão disso é a direção de Cláudio Torres, que também fez a ótima “Magnífica 70” na HBO.

A trama é simples: um surto zumbi toma conta do mundo e o único lugar seguro é a casa onde acontece um reality show tipo Big Brother. Essa história, contudo, ganha ingredientes muito mais saborosos quando é transposta para o Brasil. Os políticos são corruptos e só querem salvar a própria pele. A polícia é violenta e nem um pouco confiável. As subcelebridades do programa são todas egocêntricas e tapadas. E a cidade onde a trama acontece é o Rio de Janeiro, que já é totalmente disfuncional mesmo sem mortos-vivos andando pelas ruas.

O resultado é uma série acelerada, emocionante e de humor ácido, embora muito sutil. É impossível não pensar que “Reality Z” é um reflexo distorcido do Brasil de Bolsonaro. Tem uma praga lá fora e você não pode contar com ninguém. Políticos e polícia não vão ajudá-lo, mas enquanto você está vivo, pode brincar de ser uma subcelebridade no YouTube ou no Twitter.

Parece cruel? Pois é, as boas sátiras são assim. “Reality Z” se insere na longa tradição dos “zumbis como crítica social”, inaugurada pelo clássico “A Noite dos Mortos-Vivos”, de George Romero, em 1968. Naquele filme, o protagonista (Duane Jones) passa a noite inteira matando mortos e defendendo os vivos numa cabana isolada da Pensilvânia. No final, um bando de milicianos armados finalmente aparece para “salvar a pátria”. E a primeira coisa que fazem é dar um tiro na cabeça do herói, que percebem como ameaça. Duane Jones era um ator negro.