Como entender o Brexit (e o Coronavírus)

Como entender o Brexit (e o Coronavírus)

Estava a vagabundear por Londres quando aconteceu o Brexit. Pensei que o Reino Unido ia sair flutuando pelo Mar do Norte e se afastar da Europa até bater na Islândia. Foi uma frustração. O país continua no mesmo lugar. O povo estava mais encanado com o tal do Coronavírus, que é coisa de mariquinha. Nós, brasileiros, estamos acostumados com dengue hemorrágica, febre amarela, chicungunya, leptospirose, zika e bolsonaro. Vamos ter medo de vírus com nome de cerveja? Ah, fala sério.  

Meu amigo Jayme, que vive no Reino Unido tem uns 30 anos, atribui o Brexit a uma conspiração de oligarcas russos, mafiosos russos, espiões russos e alguns russos que são apenas russos. Ele acha que o Vladimir Putin é tipo o Blofeld, o arqui-inimigo do 007. Um George Soros do Mal. Ou um George Soros do Bem, sei lá. Depende da sua inclinação ideológica. 

O Reino Unido, como boa parte do mundo, é hoje governado pela Direita Tosca, uma gente cheia de soluções simples para problemas complexos. É completamente diferente da Esquerda Tosca, uma gente cheia de soluções complexas para problemas simples. Na minha condição de sociólogo de boteco, penso que o que pega é o seguinte: a direita agora fala de empregos enquanto a esquerda discute pronome de tratamento pra transex. Aí a direita vai lá e ganha. Óbvio. E o mundo fica mais chato, mais fechado, mais injusto, mais conservador e mais perigoso para os(as) transex. Livro de economia é muito chato, eu sei, mas não pode ficar só na lacração. O capitalismo concentra cada vez mais renda e os magnatas do Vale do Silício destroem cadeias produtivas inteiras com um simples aplicativo. Esse é o problema do mundo. Não se o certo é chamar “a” Pabllo Vittar de “o” Pabllo Vittar ou de “a” Pablla Vittara. Eu, por mim, chamo até de “meu amor”, mas isso não ajuda ninguém a ganhar eleição, meus amores.

Na minha opinião, os malditos bretões estão fazendo merda e o Brexit vai ser um fiasco. A “Golden Age” do Império Britânico, tempo da primeira rainha Elizabeth, foi financiada pirateando caravelas espanholas e portuguesas carregadas com o ouro da América Católica. Não dá pra repetir o esquema. Primeiro porque a Somália já registrou o copyright da pirataria. Segundo porque a América Católica hoje tem seus próprios piratas nativos e quase nem precisa de estrangeiros para saquear suas riquezas.

Também não dá pra fazer aquilo que os ingleses faziam no tempo da rainha Vitória: arrumar treta com os zulus, explorar a Índia, pegar chinês para trabalho semiescravo e construir ferrovias no Terceiro Mundo. Começando pelo fim, ninguém quer saber de ferrovia. Caminhoneiro queimando óleo diesel e votando na extrema-direita é muito mais da hora, tá ligado? Outra coisa é que os chineses também desenvolveram tecnologia própria e, hoje, são semiescravizados pelo próprio Partido Comunista Chinês. A grana fica toda em casa e ninguém precisa mais dos britânicos. A Índia já está totalmente explorada pelos tais magnatas do Vale do Silício e os zulus… bem, eles deram o maior pau nos ingleses no século 19, quando usavam só lanças e flechas. Eu, se fosse você, ficava sussa, Boris Johnson.

Apesar de tudo, Londres é uma cidade muito divertida pra se visitar e eu recomendo. Turistas mais abastados costumam ficar em hotéis ou Airbnb, mas para os menos endinheirados, tipo eu, Londres tem muitas estações de metrô e parques arborizados, embora não seja aconselhável acampar nos jardins de Buckingham. A rainha é muito metida a besta. Num parque ou estação de metrô você pode dividir uma refeição com os miseráveis locais e trocar ideias com eles sobre o Brexit. Desde que você saiba falar árabe, nigeriano ou somali, é claro. Aí você vai finalmente entender por que a Pérfida Albion decidiu ficar ainda mais pérfida.

Fotografia: Piero Di Maria