A primeira impressão de “Shazam” não é a de um fracasso, tampouco a de uma revelação. O filme se coloca num território confortável, quase preguiçoso, onde o risco é sempre evitado em favor de uma simpatia calculada. A história acompanha Billy Batson, vivido por Asher Angel, um adolescente marcado pela obsessão em reencontrar a mãe que o abandonou ainda criança. Ele transita por lares adotivos sem criar vínculos reais, cultivando uma postura defensiva que o roteiro insiste em tratar como profundidade emocional. Quando Billy é convocado por um mago ancestral e recebe poderes que o transformam num adulto superforte ao pronunciar a palavra mágica, o conflito central se estabelece com clareza, ainda que sem ousadia.
A transição entre Billy e sua versão adulta, interpretada por Zachary Levi, deveria ser o coração do filme. No entanto, o contraste entre o adolescente taciturno e o herói expansivo soa mais como uma esquete prolongada do que como um desdobramento psicológico coerente. Falta continuidade interna entre os dois corpos que ocupam o mesmo personagem. A empolgação infantil do Shazam adulto não dialoga com a melancolia do garoto, criando um desencaixe que jamais é enfrentado de verdade pelo texto. A sensação é a de dois protagonistas distintos dividindo o mesmo arco narrativo sem jamais se encontrarem de fato.
Humor, descobertas e limites
Grande parte da narrativa aposta na comicidade derivada da descoberta dos poderes. Freddy Freeman, vivido por Jack Dylan Grazer, funciona como o catalisador desse entusiasmo juvenil, guiando Billy por testes e experimentos que rendem algumas risadas pontuais. Ainda assim, o humor raramente ultrapassa o óbvio. As piadas orbitam desejos adolescentes previsíveis, como comprar cerveja ou flertar com ambientes proibidos, mantendo o riso num patamar seguro e descartável. A comparação frequente com uma versão juvenil de Deadpool parece generosa demais para um filme que evita qualquer desconforto real.
O vilão e a ameaça sem peso
Do outro lado está Thaddeus Sivana, interpretado por Mark Strong. Seu passado rejeitado pelo mesmo mago que escolhe Billy fornece um paralelo evidente, mas pouco explorado. Sivana abraça forças demoníacas associadas aos sete pecados capitais, uma ideia que carrega potencial simbólico, mas acaba reduzida a criaturas genéricas e sem identidade marcante. O antagonista cumpre função mecânica, sem provocar dilemas morais ou tensionar o crescimento do protagonista de maneira significativa.
Família, afeto e atalhos
O discurso sobre família adotiva surge como eixo emocional, mas é tratado de forma apressada. Billy passa pouco tempo interagindo de modo consistente com seus irmãos e com os pais adotivos, o que torna sua súbita aceitação desse núcleo um salto pouco convincente. A mensagem é clara, porém entregue sem o lastro dramático necessário para gerar impacto duradouro.
Entre o passatempo e o esquecimento
\“Shazam” se estabelece como entretenimento leve, eficiente para um público jovem, mas insuficiente para quem procura algo além do protocolo do gênero. Ele diverte, não desafia, agrada sem provocar. Talvez seja justamente aí que reside sua maior limitação: ao evitar qualquer atrito, o filme também abdica de permanecer na memória.
★★★★★★★★★★






