Discover
A Síndrome de Burnout do Papai Noel

A Síndrome de Burnout do Papai Noel

Quem não chora não mama. Mas certas coisas — tenha a santa paciência! — não se pedem. Ainda mais para o Papai Noel. O amor de alguém, por exemplo. Pois é patético mendigar afeto, um sentimento que não se suplica, tendo em vista que deve brotar espontâneo e cristalino como água de mina. Nem todo mundo já teve a oportunidade de conhecer a nascente de um rio, embora, todo riso corra para um mar de lágrimas, sejam elas de tristeza ou de contentamento. No momento, lembro-me perfeitamente bem de passar algumas noites em claro, quando menino, almejando mimos e presentes que nem sempre chegavam. Uma bola de futebol. Um autorama. Um par de tênis de marca famosa. Um cachorrinho. As coisas não andam fáceis para Papai Noel. Se é que algum dia estiveram. Em tempos de guerras globais, por exemplo. Hoje, ensimesmado na maturidade, claudicando pela sexta década de vida, já não perco mais o sono com as expectativas perdulárias do menino pidão que fui. Apenas me concentro no imponderável e desejo sinceramente que ele se realize. Penso em presentes intangíveis, permeados de utopia, da qual não abro mão. O afeto sempre possível entre amigos e familiares. A saúde físico-mental para envelhecer com autonomia e com dignidade. O controle pleno da malfadada capacidade de odiar pessoas, esse sentimento vil e venenoso ao próprio corpo, sempre acompanhado de sofreguidão, de culpa e de vilipêndio da paz. O bem-estar das pessoas às quais nos afeiçoamos. A serenidade indispensável para lidar com as doenças e com a finitude. Por fim, de volta ao começo, se a meninice em mim urgisse — e como urge: o que eu pediria a Papai Noel, se ele tivesse tempo e complacência comigo, seria paciência, um pouco mais de paciência para que eu lidasse com os revezes do mundo, mesmo que a existência deles independesse das minhas ações. Quem já bebeu a água de mina, que brota do chão, feito um animal, conhece o sabor das coisas simples da vida. Que tenhamos um Natal caloroso de gente e abundante de presentes imateriais. Porque a paz interior sempre foi e sempre será o melhor presente que se pode desejar, não aquele proveniente de um sujeito de barba branca, vestido de vermelho, mas, de si próprio, por puro merecimento.  

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 60 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.