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Drama delicado sobre abandono, afeto e reconexão humana que vai dilacerar seu coração, mas você vai gostar — na Netflix Divulgação / Laymon's Terms

Drama delicado sobre abandono, afeto e reconexão humana que vai dilacerar seu coração, mas você vai gostar — na Netflix

Os encontros são mágicos. Imaginar a possibilidade de se conectar com uma pessoa em um mundo de 7 bilhões de humanos, onde cada um viveu experiências diferentes, nasceu em uma família distinta e superou obstáculos variados ao longo da vida. O encontro de dois corações, seja na amizade ou no romance, é realmente mágico. A internet tornou esses encontros ainda mais impressionantes. Hoje, não precisamos mais morar na mesma cidade, país ou continente para conhecer pessoas incríveis que vão transformar para sempre nossas vidas.

Em “Um Pai Para Lily”, a cineasta independente Tracie Laymon faz uma semi-autobiografia ao retratar um período de sua vida, com algumas escolhas dramáticas ficcionais. Com um pai emocionalmente indisponível, Tracie tentou, por muito tempo, conectar-se com esse homem. Se há algo que a vivência me ensinou é que as pessoas que mais podem nos machucar são nossos pais. De alguma forma, todo ser humano possui um vácuo emocional que só pode ser preenchido pela presença de um pai e de uma mãe maduros. Quem cresce sem ambas as figuras, ou sem uma delas, tem muito mais dificuldade em desenvolver autoestima, autoconfiança, amor-próprio e confiança nos outros. Eu não sou terapeuta, e nada do que digo aqui tem embasamento científico, apenas empírico. Há uma lacuna que a ausência dos pais deixa que, mesmo nas pessoas mais independentes, felizes e fortes, ainda grita.

Amizade que acolhe

Laymon retrata isso em “Um Pai Para Lily”. Barbie Ferreira a interpreta como Lily Trevino, uma cuidadora que faz de tudo para se manter ligada ao pai, Bob (French Stewart), mas a relação entre eles é extremamente abusiva, desigual e tóxica. Lily não tem mais ninguém, pois foi abandonada pela mãe, viciada em drogas, aos quatro anos. Sua única amiga é sua cliente, Daphne (Lauren Lolo Spencer), que sofreu um acidente e agora utiliza cadeira de rodas. Após uma discussão com o pai, Lily tenta entrar em contato com ele e é ignorada por diversas ocasiões seguidas. Ela o procura no Facebook, mas acaba encontrando outro homem com o mesmo nome do pai: Bob Trevino (John Leguizamo). Ao contrário do pai biológico, o novo amigo on-line curte todas as suas postagens, responde atenciosamente às suas mensagens e eleva sua autoestima.

Bob Trevino é um engenheiro, casado, que vivenciou um trauma com sua esposa que os transformou para sempre. Jeannie, sua mulher, canalizou a dor no scrapbook, enquanto ele mergulhou no trabalho para esquecer dos problemas. Sua amizade com Lily também serve para arrancá-lo de sua casca. Bob não tem amigos, não sai de casa a menos que seja para trabalhar e não ri com mais ninguém além de Jeannie. Encontrar Lily é, também, uma libertação de sua própria concha, na qual ele se fechou.

Peso emocional

Com uma trilha sonora melancólica, inspirada nos Beach Boys, e uma fotografia que preza pelo intimismo, pela simplicidade e pelo uso de luzes naturais, o filme carrega uma carga dramática intensa, principalmente devido à atuação de Barbie Ferreira, que mistura vulnerabilidade, ingenuidade e tristeza em um papel que exige muita entrega. Ela mostra que tem gabarito para o papel, enquanto Leguizamo, em uma atuação completamente diferente de outros de seus papéis, nos entrega um Bob contido, sereno e sábio, que compreende as deficiências emocionais de Lily. Ele não tenta substituir o pai dela, mas entende que ela precisa de um apoio emocional presente, capaz de ancorá-la.

“Um Pai Para Lily” recorre ao melodrama em diversos momentos como tentativa de demonstrar a visceralidade da experiência vivida pela protagonista. Ainda assim, Leguizamo consegue equilibrar tudo com pitadas de humor e doçura. É doloroso assistir ao filme mesmo se você não teve uma família disfuncional, porque ele nos obriga a encarar as complexidades humanas e nossas limitações emocionais. Sem dúvida, um filme que dilacera a alma, e a gente gosta.

Filme: Um Pai Para Lily
Diretor: Tracie Laymon
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.