A pista de dança, aqui, não funciona como fuga. Ela cobra. “10Dance”, dirigido por Keishi Otomo, coloca Ryoma Takeuchi e Keita Machida frente a frente como dois campeões que sempre resolveram tudo pelo próprio talento. Shinya Suzuki reina nas danças latinas no Japão e se irrita com a comparação constante com Shinya Sugiki, referência do standard e segundo colocado no ranking mundial. Quando Sugiki propõe que treinem juntos para disputar a competição das dez danças, Suzuki resiste, mas aceita, e a parceria vira o teste central do filme, entre disciplina, orgulho e atração.
Sugiki toma a iniciativa porque enxerga no rival algo que falta ao seu próprio repertório, e porque entende que o 10-dance exige mais do que domínio de uma escola. A escolha tem risco profissional e pessoal. Ao pedir ajuda, ele abre mão da postura de quem nunca precisa de ninguém. Para Suzuki, aceitar é uma forma de provar força num terreno que não domina, mas também é admitir que a comparação que o irrita pode, afinal, ter fundamento. A primeira concessão dos dois é simples e dura: ninguém vence sozinho.
A prova das dez danças impõe um caminho implacável. Cinco ritmos latinos e cinco padrões de salão não se somam apenas como lista; eles pedem que o corpo desaprenda vícios e aceite outra lógica de condução, de peso, de tempo. O obstáculo é físico, porque a resistência precisa acompanhar a ambição, e é mental, porque o orgulho atrapalha o aprendizado. Cada ensaio vira uma decisão pequena: insistir mais um pouco, corrigir sem humilhar, engolir a ironia antes que ela vire ofensa.
O filme trabalha com a ideia de contagem como pressão. Um, dois, três. A marcação que, para quem assiste, soa como música, para eles é medida de falha e de avanço. Suzuki quer resposta rápida, quer resultado visível. Sugiki, acostumado ao refinamento do standard, insiste no detalhe e na paciência. Quando um força e o outro freia, a parceria perde centro. E, quando perde centro, tudo o que parecia talento vira esforço, com o erro reaparecendo no mesmo lugar até que alguém mude de atitude.
É nesse ponto que “10Dance” encontra seu melhor conflito: a diferença de temperamento não é tempero, é obstáculo real. Suzuki se move por competitividade e por uma necessidade de controle que não combina com aprendizagem. Sugiki carrega a pressão de estar perto do topo mundial e sabe que qualquer desvio de foco pode custar caro. A dupla precisa escolher, repetidas vezes, entre preservar a imagem ou preservar o trabalho. A cada escolha, a contagem volta como lembrete de que tempo não pede licença.
O entorno reforça a ideia de compromisso. Shiori Doi e Anna Ishii aparecem como Aki Tajima e Fusako Yagami, parceiras de dança de Suzuki e Sugiki, e a simples existência delas recoloca a história no chão do esporte. Dança de competição é pacto, treino, calendário, confiança acumulada. Ao tentar formar uma dupla improvável para uma prova exaustiva, os protagonistas encaram o custo de mudar rotas sem apagar o que já vinha sendo feito.
A atração entre os dois nasce de uma intimidade de trabalho. Há contato, correção, proximidade inevitável e, aos poucos, a confiança vira algo que ultrapassa a técnica. Não há romantização fácil da rivalidade; há a constatação de que, para alguém conduzir, outro precisa aceitar ser conduzido, e isso mexe com a ideia que ambos fazem de si mesmos. Suzuki aprende que ceder não é perder. Sugiki aprende que pedir não é fraqueza. O desejo aparece como consequência do que eles já decidiram juntos na prática, com sobriedade, sem atalhos.
Em certo momento, o filme opta por acelerar o pulso. A agenda aperta. O corpo reclama. A paciência acaba. Um endurece. O outro devolve. A música recomeça. A contagem insiste. O erro volta. E eles continuam. Continuam porque já sabem que desistir seria manter tudo como estava, com o rival do outro lado e a própria solidão do mesmo lado.
Keishi Otomo acompanha essa transformação com atenção ao que é mensurável e ao que escapa. O treinamento dá forma ao vínculo, e o vínculo muda o treinamento, ou melhor, muda a maneira como cada um suporta a própria falha. O interesse do filme não está em provar quem é melhor, mas em mostrar como excelência pode ser também prisão. Quando a competição das dez danças se aproxima, o que está em jogo deixa de ser apenas ganhar. Passa a ser sustentar a parceria sem negar o que apareceu entre eles, enquanto a contagem retorna, implacável, sobre cada escolha.
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