O mundo não girava. Capotava. A Caixa de Pandora tinha sido aberta e as pessoas andavam mais alopradas do que nunca. Era Jesus na goiabeira. Terra plana. Movimento antivacina. A avassaladora onda de negacionismo à ciência. E o risco iminente de golpe militar no país. Não me perguntem como, quando, onde e sob que circunstância. Fato é que eu conversava com uma garota de programa chamada Scarlett. Coincidência ou não, Maria de Fátima usava o codinome inspirada em Scarlett Johansson, uma das mulheres mais lindas do planeta e da qual sou um fã confesso.
Confesso que sou inocente: não contratei os serviços da mocinha. E eles eram muitos. Scarlett disse-me que, ultimamente, estava lidando com uma situação profissional inusitada, uma demanda crescente por parte dos clientes, os quais exigiam transar com ela sem usar a camisinha. Durante as negociações de alcova, Maria explicitava a sua tabela de preços que contemplava um vasto portfólio de intimidades que iam desde lambidas nos pés lambrecados com chantilly até a intercurso sexual propriamente dito. A jovem universitária, que sequer concluíra o Ensino Fundamental, fundamentalmente explicava-me que a fornicação sem o uso de preservativos estava se tornando uma tônica, uma exigência corriqueira da clientela. Ela topava, desde que se pagasse em dobro. E os caras pagavam.
Fátima ressaltou que já fazia parte dos negócios abdicar do uso do dispositivo de látex quando atendia clientes assíduos que já tinham cultivado a sua confiança e, por que não, afeto. Perguntei se ela não receava se contaminar com um sem-número de moléstias sexualmente transmissíveis, mas ela respondeu que Deus era grande e que, há tempos, só saía com clientes VIP, selecionados, geralmente homens maduros da classe média alta, sujeitos gentis, endinheirados, alguns deles com tornozeleiras eletrônicas, outros casados, cheirosos e de boa aparência.
Sutilmente, cheirei o sovaco e inquiri quando ela pensava em abandonar a profissão. Scarlett comentou que deixar de se prostituir estava no radar, no entanto, queria aproveitar a beleza física e a energia vital inerentes à juventude para fazer um caixa confortável, garantir o futuro, juntar reserva financeira o suficiente para comprar a casa própria, por exemplo. Aproveitei o ensejo para distribuir sinceros conselhos, coisas de saúde pública, se é que me entendem. Ela agradeceu, disse que pensaria com carinho nas minhas palavras. Então, de forma surpreendente, perguntou se eu permitia um abraço. Embaraçado, assenti. Foi um bom abraço.
Despedimo-nos e cada qual seguiu o seu rumo. Eu a retirar as pedras do caminho de que falava o poeta Carlos Drummond. Ela a parar o trânsito, a promover discórdia e a confundir a cabeça dos homens com sua exuberante e, ao mesmo tempo, comovente beleza.


