“Stephen” começa pelo gesto menos comum ao suspense policial: a revelação imediata. Stephen Jebaraj, interpretado por Gomathi Shankar, entra numa delegacia e admite ter matado nove mulheres. Não há perseguição nem mistério de identidade. A engrenagem narrativa se organiza em torno de outra pergunta, mais incômoda e menos confortável: o que produz alguém capaz de transformar violência em método. A partir daí, a trama se ancora na avaliação psiquiátrica exigida pela Justiça, deslocando o foco da polícia para o terreno instável da mente. Essa escolha desloca o filme do espetáculo da brutalidade para uma investigação moral, ainda que nem sempre escape das convenções do gênero.
Gomathi Shankar constrói Stephen sem carisma, sem lampejos de sedução. O personagem se move como alguém apartado da própria experiência, reagindo ao mundo com um atraso emocional constante. Essa contenção funciona melhor do que qualquer excesso performático, sobretudo nas cenas em que vozes do passado, os pais mortos, retornam como presença acusatória. O roteiro sugere que a violência não nasce de um impulso súbito, mas de uma pedagogia doméstica baseada em humilhação, alcoolismo e medo. Ainda assim, o filme evita transformar trauma em absolvição. Stephen não é tratado como vítima exemplar, e sim como resultado de escolhas que, em algum ponto, deixam de ser apenas reativas.
Seema, Michael e o método institucional
A psiquiatra Seema, vivida por Smruthi Venkat, funciona como contraponto ético. Sua escuta não é compassiva nem punitiva; é analítica. O embate verbal entre ela e Stephen sustenta os momentos mais densos do filme, especialmente quando a investigação abandona os fatos e se concentra na responsabilidade individual. Já o investigador Michael, interpretado por Michael Thangadurai, cumpre papel funcional. Ele representa o procedimento, o protocolo, a necessidade de fechar um caso mesmo quando a explicação permanece insuficiente. Essa assimetria entre personagens parece deliberada: o filme se interessa menos pela eficiência do Estado e mais por seus limites.
Estrutura, símbolos e fricções
A narrativa alterna presente e passado com organização clara, ainda que previsível em certos momentos. O símbolo da roda-gigante, retomado ao longo da trama, tenta condensar a ideia de repetição e retorno da violência. Conceitualmente eficaz, ele perde força pela insistência. Quando o roteiro confia no silêncio, especialmente nas memórias de infância e nas cenas domésticas, o impacto é maior. Quando verbaliza demais suas intenções, dilui a tensão. O desfecho, ao reordenar eventos já vistos, propõe uma leitura menos moralizante do que parece à primeira vista, sugerindo que manipulação não é exclusividade do assassino.
Alcance e limites
“Stephen” se insere numa tradição do cinema tâmil que associa crime a advertência social, mas tenta deslocá-la para um campo mais introspectivo. Nem sempre alcança o rigor formal necessário para sustentar suas ambições, e o orçamento restrito se faz sentir em alguns momentos. Ainda assim, há coerência no percurso. O filme prefere o desconforto à catarse e aceita permanecer em zonas cinzentas, onde culpa e explicação não coincidem. Não é um retrato definitivo do mal, mas uma tentativa séria de examiná-lo sem espetáculo, e isso, no gênero, já é uma posição clara.
★★★★★★★★★★




