A seleção anual de livros da Revista Bula passou por uma mudança de método em 2025. Em vez de depender exclusivamente de enquetes abertas — como vinha ocorrendo nos anos anteriores, com participação via newsletter e redes sociais — a revista manteve o voto do público pela newsletter e acrescentou um segundo conjunto de votos: uma curadoria formada por 30 convidados. A lista reúne os títulos mais citados do ano, com predominância de ficção, mas também com espaço para obras de não ficção de forte dimensão literária e para poesia, quando esses livros se impõem pela recorrência de indicações.
A mudança também alterou o modo de apresentar o processo. Na curadoria, o voto é público: cada convidado aparece com seu nome e sua lista, o que permite verificar como a seleção foi construída. Na newsletter, a divulgação permanece agregada: a revista publica os títulos mais citados em cada categoria, sem detalhar votos individuais. A combinação foi adotada para reunir dois retratos do ano editorial — o da curadoria e o da circulação entre leitores — sem que um substitua o outro.
Quem votou e como a apuração funciona
A curadoria reuniu 30 convidados — entre escritores, jornalistas, editores e leitores. Eles indicaram livros publicados no Brasil em 2025, organizados em duas categorias, nacionais e internacionais. Para efeito do resultado final, foram considerados apenas livros publicados no Brasil em 2025. Títulos de anos anteriores que tenham sido mencionados por convidados ou leitores foram registrados, mas não entraram na contagem do ranking. Os votos desse grupo são apresentados voto a voto, com identificação.
Em paralelo, 100 leitores da newsletter foram convidados a indicar um livro nacional e um livro internacional. Nessa etapa, a apuração é agregada: a revista divulga apenas os títulos mais citados em cada categoria, sem publicar votos individuais.
A regra de apuração é a mesma para os dois conjuntos: cada indicação conta como uma menção. O desempenho de cada livro é medido pelo total de menções dentro de cada grupo. A lista final publicada é ordenada pelas menções da curadoria. A newsletter não altera posições: funciona como leitura complementar, permitindo identificar coincidências entre público e curadoria.
O que a newsletter destaca e como ler a estrela
A newsletter não funciona como um segundo ranking numérico concorrente. Ela entra como marcador de convergência: os livros que também aparecem entre os mais citados na newsletter recebem um sinal na lista final. A estrela é usada apenas nas listas para marcar essas coincidências.
No recorte agregado da newsletter, os nacionais mais citados foram “Visita ao Pai”, “O Jardim das Oliveiras”, “Batida Só”, “Corsária” e “Meus Mortos: Um Autorretrato”. Entre os internacionais, os mais citados foram “O Colibri”, “Sem Despedidas”, “O Bom Mal” e “Memória de Menina”.
Resultado final — Nacionais (Top 10)
Também entre os mais citados da newsletter.
- ★ O Jardim das Oliveiras, Adélia Prado
- ★ Visita ao Pai, Cristovão Tezza
- ★ Corsária, Marilene Felinto
- O Escutador, As Histórias de Ademir Lins, Carlos Marcelo
- Quincas Borba e o Nosferatu, Edson Aran
- A Piscina do Meu Pai, Beto Silva
- Dança de Enganos, Milton Hatoum
- ★ Batida Só, Giovana Madalosso
- ★ Meus Mortos: Um Autorretrato, Diogo Mainardi
- Fullgás: Poesia Reunida, Antonio Cicero
No topo dos nacionais, houve empate na liderança da curadoria. A convergência com a newsletter é ampla: os cinco títulos mais citados pelos leitores aparecem dentro do Top 10 da curadoria.
Resultado final — Internacionais (Top 10)
Também entre os mais citados da newsletter.
- ★ O Bom Mal, Samanta Schweblin
- James, Percival Everett
- O Polonês, J. M. Coetzee
- ★ Sem Despedidas, Han Kang
- Suttree, Cormac McCarthy
- A Contagem dos Sonhos, Chimamanda Ngozi Adichie
- Kitchen, Banana Yoshimoto
- ★ Memória de Menina, Annie Ernaux
- ★ Para John, Joan Didion
- O Retorno do Barão de Wenckheim, László Krasznahorkai
Entre os internacionais, a convergência com a newsletter se concentra no núcleo: o livro líder e os demais destaques do público aparecem dentro do Top 10 da curadoria.
O que o cruzamento indica
Nos nacionais, a coincidência é forte: títulos que lideram a curadoria também aparecem entre os mais citados pelos leitores, indicando convergência entre voto especializado e preferência do público da newsletter; nos internacionais, a convergência é mais concentrada e se organiza sobretudo em torno do livro líder e de títulos que aparecem nas duas apurações. A publicação do Top 10 por categoria foi adotada para preservar legibilidade e destacar as obras mais recorrentes no conjunto dos convidados; o detalhamento voto a voto se aplica exclusivamente à curadoria, enquanto a newsletter permanece como síntese agregada dos títulos mais citados.
Veja a lista completa: livros, capas e sinopses

Durante a pandemia, um escritor abre a caixa que sempre soube existir e quase sempre evitou: os cadernos do pai. João Batista Tezza, homem de pouca escola e rigor obstinado, começou a escrever quando vestiu a farda em Florianópolis, em 1931, e seguiu anotando o mundo até a semana em que morreu, em 1959. O que surge dessas páginas não é um diário de confidências, mas uma máquina de prova: cartas copiadas à mão, telegramas, bilhetes, atestados, certidões, dedicatórias, fotografias — a vida reduzida a papel e carimbo, para que nada se perca. A leitura, porém, não se contenta em reconstituir uma biografia. Entre o arquivo e o afeto, o filho narra a própria resistência, a curiosidade tardia, a vergonha de ter ignorado por tanto tempo aquele esforço de existir no papel. O texto alterna transcrições e comentários que medem distâncias: a linguagem que o pai conquista aos solavancos, por teimosia e método, e a linguagem que o filho, já formado, usa para perguntar o que falta quando sobra registro. No horizonte, dois Brasis se refletem e se atritam — o país moldado pelo período Vargas e aquele atravessado pela ditadura militar — como se a história pública infiltrasse a casa, e a casa devolvesse à história um rosto, uma caligrafia, um silêncio. A escrita avança como visita: aproxima, recua, volta com outra pergunta. E, sem transformar memória em consolo, desenha um retrato do que permanece entre pais e filhos quando o tempo vira documento.

Depois de um longo intervalo sem inéditos, a poeta retorna com um livro que soa como síntese e recomeço: a mesma voz reconhecível, agora mais despojada, mais severa consigo, como quem aprende a dizer menos para alcançar mais. Os poemas se movem na fronteira em que o doméstico toca o sagrado — uma panela no fogo, um corpo cansado, uma rua de Minas — e, de repente, tudo se ilumina por dentro, não como certeza, mas como pergunta. A tensão que organiza o conjunto é antiga e renovada: luz e sombra, fé e dúvida, palavra e silêncio. A escrita observa a própria origem, interroga o que pode a linguagem quando o mundo não oferece consolo, e transforma essa insuficiência em matéria rítmica. Há uma escuta insistente das vozes do entorno — a fala do povo, a memória familiar, a tradição bíblica, a inteligência do cotidiano — misturadas com uma dicção límpida que não teme a aspereza. Em vez de narrar, a poeta compõe uma espécie de via-sacra íntima: cada poema é um passo curto, um gesto de atenção, uma tentativa de não falsear a experiência. O resultado é uma poesia de vigília, em que a transcendência não é fuga, mas fricção; e o mistério, longe de enfeite, aparece como aquilo que resta quando a lucidez faz seu trabalho. O livro termina sem fechamento, como deve: deixando o leitor com a impressão de ter sido tocado por uma verdade que não se deixa possuir.

Ela tinha uma vida organizada em Houston — trabalho, rotina, um amor possível — quando decide cortar o fio e voltar ao interior do Nordeste. Não regressa em busca de reconciliação: regressa para cobrar. Convencida de que pai e mãe foram explorados desde cedo, a protagonista transforma a história da família num processo: vasculha arquivos, encadeia documentos, consulta versões contadas pela metade, submete-se a testes de hereditariedade, como se a verdade precisasse, antes de tudo, de prova material. O retorno a coloca diante de uma geografia moral áspera, onde a terra tem dono, o trabalho tem preço e a violência costuma falar antes das palavras. Cada pista abre outra ferida: a pobreza como herança administrada, o racismo como método, a desigualdade como paisagem. E, à medida que insiste, ela passa a incomodar interesses que preferiam o passado quieto — o que faz do seu inquérito íntimo um confronto com estruturas locais de poder. A narrativa se move no atrito entre lucidez e fúria. Há desejo, há amor que não se encaixa em padrão, há uma afirmação obstinada de agência feminina — mas nada disso serve como alívio. O livro avança com um lirismo cortante, de frase que morde, alternando o impulso de justiça com a consciência de que nenhuma reparação vem limpa. O que se procura não é apenas dinheiro ou reconhecimento; é a possibilidade de reescrever a linhagem sem aceitar o silêncio como destino.

Nos anos 1950, Ademir Lins chega a Belo Horizonte com a ambição nervosa de quem ainda não sabe onde a vida termina e a literatura começa. Recém-chegado, ele consegue trabalho numa editora que abriga, sob nomes respeitáveis e pseudônimos discretos, uma engrenagem pouco lembrada do mercado: narrativas seriadas que mobilizam milhares de leitores e não podem parar. A função de Ademir é estranha e decisiva. Ele deve ouvir dos autores os próximos passos das tramas, guardar a arquitetura do que ainda não foi escrito e assegurar que, se algo acontecer, a história siga adiante. Esse ofício o coloca perto de escritores e de segredos. Aprender a escutar passa a ser mais que tarefa profissional: é método de sobrevivência, forma de captar intenções, pausas, omissões. A cidade, com seus cafés, corredores e bastidores, surge como um palco de vozes cruzadas, e Ademir começa a escrever o próprio livro, como se quisesse registrar, antes que escape, aquilo que vive e aquilo que imagina. Mas a vida íntima se complica. Um triângulo amoroso se arma, e o que parecia apenas formação literária ganha densidade trágica. Ademir se vê envolvido numa cadeia de escolhas que não cabem no papel sem deixar marcas, e o relato em primeira pessoa passa a carregar o peso de um crime, de um mistério e de um desaparecimento. A narrativa avança com a tensão de quem tenta reorganizar os fatos enquanto ainda está dentro deles. Entre pesquisa e invenção, o romance faz do ato de ouvir um gesto ambíguo: escutar é conhecer — e, às vezes, é ser tragado pelo que se descobre.

Em 1869, o Rio de Janeiro do Império é um palco de elegâncias, intrigas e ideias em circulação. Recém-chegado da Europa, Quincas Borba instala na rua do Ouvidor um improvável escritório de “investigação filosófica”, onde o pensamento pretende operar como método para decifrar o mundo. A iniciativa, meio charlatã, meio visionária, atrai figuras conhecidas da corte e inaugura uma cadeia de observações, perseguições e raciocínios que logo escapam ao controle do bom senso. Ao seu redor gravitam personagens que carregam o espírito da época: o dândi Brás Cubas, convocado a seguir rastros pela cidade elegante; o marido corroído pelo ciúme; mulheres cuja circulação noturna desperta suspeitas. O que começa como exercício de ironia social ganha contornos mais escuros quando surge um aristocrata estrangeiro, hospedado sob proteção oficial, que mobiliza a elite com discursos políticos e promessas de prestígio. Há algo de deslocado em sua presença — um excesso de noite em pleno trópico. A narrativa avança no cruzamento entre registro histórico e imaginação fantástica. O humor filosófico, as digressões morais e o olhar crítico sobre a sociedade convivem com a progressiva instalação do horror, que se infiltra em salões, palestras e encontros à meia-luz. A cidade se revela permeável ao insólito, como se a modernidade nascente convivesse, sem perceber, com forças arcaicas. Sem ceder à paródia fácil, o romance constrói um jogo literário preciso, em que tradição e invenção se alimentam mutuamente. O resultado é um retrato irônico e sombrio do Brasil imperial, onde a razão investiga, mas nem sempre ilumina, aquilo que prefere permanecer nas sombras.

Guto ganha a vida escrevendo graça em ambientes onde a graça tem prazo, patrocinador e planilha. Entre salas de roteiro, bastidores de TV e pré-estreias das quais foge como quem foge de incêndio, ele tenta proteger uma ambição quase ingênua: fazer uma comédia “de verdade”, sem o verniz das piadas prontas nem a moral de ocasião. No cotidiano do audiovisual, a palavra “genial” costuma significar trabalho dobrado, e o elogio fácil vira moeda para manter portas abertas. Um reencontro fortuito com Martinha, colega de faculdade, desloca esse presente precário. A conversa reabre um passado enterrado sob azulejos alvinegros: a casa na Barra, a piscina do pai — símbolo de afeto atravessado, privilégio e culpa —, um sócio, um produtor abusivo, uma amizade que azedou e um mistério antigo que ainda respinga no agora. O que era lembrança vira pista; o que parecia resolvido volta em capítulos mal montados, pedindo outra versão. Entre um detetive improvável e um primo distante que atravessam a história com timing de cena, Guto se vê forçado a encarar o que preferia manter fora de quadro. Com prosa ágil e observação cortante, o romance transforma o making of da indústria em formação tardia: um homem aprendendo a distinguir o que é sobrevivência do que é covardia, o que é humor do que é máscara. E faz da reescrita — no trabalho e na memória — um campo de batalha onde nem todas as versões conseguem apagar a necessidade de verdade.

Nos últimos anos da década de 1960, Lina, mãe de Martim, enfrenta a ausência do filho que se distanciou durante a ditadura militar, enquanto o país vive suas próprias fraturas políticas. Para lidar com essa distância crescente, ela decide escrever, como quem tenta fazer o silêncio falar. Em suas páginas, Lina revisita um passado de perdas, afetos e angústias não resolvidas, tentando encontrar sentido em um tempo que escapa das mãos. Com uma voz marcada pela tristeza e pela lucidez, a narrativa entrelaça o drama íntimo de uma família ferida com o clima de repressão e medo que se infiltra no cotidiano. Cada lembrança é um esforço para decifrar o que foi perdido e o que permanece: o irmão Dácio, a mãe Ondina, a empregada e confidente Delinha, o artista Leonardo — figuras que entram e saem como sombras, compondo a galeria de um mundo em dissolução. A ausência de Martim, porém, é também sua presença insistente, como se toda frase fosse escrita para alcançá-lo, mesmo sem esperança de resposta. A escrita se torna tentativa de reorganizar a vida a partir de fragmentos, e também constatação dolorosa de que nem todas as perguntas encontram forma estável. Ao fazer da memória um campo de batalha, o romance expõe o modo como os enganos — os afetivos, os políticos, os narrativos — podem ser ao mesmo tempo proteção e ferida, e como o passado, quando retorna, cobra seu preço em silêncio, dúvida e permanência.

Ao voltar para casa depois do trabalho, uma jornalista é atacada na rua. O corpo reage antes do pensamento: queda, apagão, hospital. O diagnóstico que se impõe muda a gramática da vida — uma arritmia grave, de tratamento incerto, que exige uma regra impossível: evitar emoções fortes. Como reduzir o mundo a um lugar seguro quando a cidade grande pulsa em urgências, prazos, ruídos e sobressaltos? Ela tenta. E, para isso, retorna a Moenda, a cidade provinciana onde passou a infância. Instala-se na casa vazia dos avós e busca uma existência em volume baixo, ajudada por medicamentos que amortecem o sentimento para proteger o coração. O plano, porém, não tarda a ser contrariado. Um garoto aparece à porta para entregar um oratório, e sua presença abre uma fresta por onde o passado entra: ele é filho de Sara, amiga de infância que ficou ali, construiu vida, fé e trabalho. A jornalista, ateia e desconfiada, encontra na outra uma religiosidade “flex”, prática e fervorosa, capaz de irritá-la justamente no momento em que ela mais precisa de calma. À medida que as relações se estreitam, surge uma constatação incômoda: o menino também carrega uma doença de prognóstico difícil. E aquilo que era fuga vira vínculo. O romance acompanha a lenta desmontagem de um projeto de autocontrole, trocado por uma convivência feita de atritos, cuidado e perguntas sem resposta. Entre fé e ceticismo, medo e desejo de viver, as personagens partem numa viagem em busca de cura — não como promessa, mas como tentativa de descobrir o que ainda importa quando sentir pode custar tudo.

Um escritor percorre Veneza como quem caminha entre restos. A cidade, marcada por pestes, ruínas e sobreposições de tempo, torna-se o cenário de um autorretrato sem complacência, acompanhado pelo filho e por um cachorro, figuras discretas que reforçam a dimensão cotidiana dessa travessia. O fio condutor é a obra de Ticiano, cujas pinturas funcionam menos como referência estética do que como confronto: diante delas, a linguagem parece insuficiente, quase ridícula, obrigada a medir sua própria pequeneza. A cada deslocamento, o narrador retorna aos seus mortos — não apenas pessoas, mas ideias de mundo, expectativas, projetos individuais e coletivos que fracassaram. Não há promessa de redenção nem tentativa de sublimar a derrota. O livro assume o fracasso como dado central da experiência contemporânea e faz dele matéria de pensamento, ironia e exposição radical de si. A escrita avança consciente de sua precariedade, esmagada pela potência das imagens, mas insistente, como se continuar fosse o único gesto possível. A arte de Ticiano aparece como espelho brutal: seus corpos, suas cenas de poder, sexo e violência oferecem forma e cor ao que o narrador reconhece como desordem íntima e histórica. A pintura organiza aquilo que a palavra não consegue sustentar sozinha, conferindo um sentido provisório à experiência do colapso. Sem buscar empatia ou consolo, o livro constrói um autorretrato em estado de esgotamento, no qual a lucidez substitui qualquer esperança de transcendência. Ao se despir de ilusões, a escrita afirma uma ética dura: olhar para a derrota sem ornamento, aceitar a exposição e reconhecer, no choque entre arte e vida, a única forma possível de honestidade.

Reunindo livros publicados ao longo de mais de duas décadas, além de poemas avulsos, inéditos e um conjunto representativo de letras de música, este volume desenha o percurso de uma voz que sempre recusou divisões fáceis. A poesia aqui se constrói no encontro entre rigor intelectual e experiência sensível, entre a reflexão filosófica e a matéria concreta do mundo: o corpo, o desejo, o verão, a cidade, a passagem do tempo. O cenário recorrente é luminoso — praias, ruas, tardes quentes —, mas essa luz nunca é decorativa. Ela expõe a fragilidade das coisas, o caráter contingente de toda forma de plenitude. Amar, querer, olhar: tudo acontece sob o signo do instante, e é justamente essa transitoriedade que a escrita tenta apreender sem falsear. O poema não promete permanência; oferece atenção. Cada verso se organiza como exercício de clareza diante do que passa. Ao longo do livro, percebe-se uma ética da forma: frases limpas, ritmo preciso, recusa do excesso emocional. A emoção, quando surge, vem filtrada pelo pensamento, como se sentir e pensar fossem movimentos inseparáveis. Essa tensão atravessa também o diálogo com a tradição literária e filosófica, incorporada sem peso, como repertório vivo, jamais como ornamento. As letras de música incluídas ampliam o campo da leitura, mostrando como a mesma inteligência poética se move entre o popular e o erudito sem hierarquia. No conjunto, o livro afirma uma ideia de liberdade rara: a de uma escrita que aceita o limite, celebra o desejo e encontra, na lucidez, uma forma discreta e intensa de beleza.


