“Satanás” é um filme que se arrisca a explorar o abismo da mente humana, tentando entender o que leva uma pessoa a cometer um massacre sem qualquer justificativa plausível, além de uma crescente degradação psicológica. Baseado no romance de Mario Mendoza, o longa não se limita a retratar a violência em si, mas mergulha nas profundezas da loucura de Eliseo (Damián Alcázar), um ex-soldado que, ao longo da trama, se vê consumido por seus demônios internos. O ponto central da narrativa é a revelação de sua transformação, mas o filme falha ao não oferecer uma explicação mais profunda sobre as raízes de seu colapso mental.
A história se desenrola em Bogotá, nos anos 1980, e é inspirada no real massacre cometido por Campoelías Delgado, um ex-combatente da Guerra da Coreia, que em 1987, sem aviso, disparou contra um restaurante lotado. No entanto, ao invés de concentrar sua energia em entender o personagem central e suas motivações, “Satanás” se perde em subtramas desnecessárias, como a relação ilícita entre um padre e sua paroquiana, e uma vingança ligada a um estupro. Essas narrativas secundárias acabam diluindo a força emocional do filme, que já lida com um tema pesado e complexo.
A falta de explicação psicológica
O maior problema de “Satanás” está em sua incapacidade de aprofundar a psique de Eliseo. Embora o filme foque em seus comportamentos erráticos e histriônicos, não há uma construção convincente sobre os fatores que o levam a agir como age. A doença mental de Eliseo, embora implícita, nunca é realmente explorada com a profundidade necessária. O espectador é deixado sem respostas claras sobre como esse homem, aparentemente normal em seu convívio social, se transforma em um monstro de ódio e violência. A trama parece querer nos deixar perplexos diante de suas ações, mas isso também faz com que a narrativa se torne imprecisa e insatisfatória.
Em vez de se concentrar na deterioração mental de Eliseo, a narrativa acaba desviando para questões menores, como os conflitos internos de outros personagens. A relação do padre com sua paroquiana, por exemplo, não acrescenta nada à história principal e se mostra uma tentativa de aprofundar o enredo que, na verdade, apenas cria distrações. A vingança relacionada ao estupro, por sua vez, tem seu próprio peso, mas não conecta diretamente com o desenvolvimento do protagonista, tornando-se uma história à parte que não agrega à trama central.
A violência e suas implicações
A violência retratada em “Satanás” é intensa e gráfica, mas não se limita a cenas de terror gratuito. O diretor busca, em certo ponto, fazer uma reflexão sobre os fatores sociais que geram esse tipo de comportamento extremo, embora sua abordagem não seja totalmente eficaz. Quando o filme coloca sua atenção no assassinato em massa cometido por Eliseo, o impacto é profundo, mas falta a reflexão necessária sobre os porquês do ato. A violência não é apenas física, mas psicológica, e o filme não consegue entregar uma análise suficientemente detalhada para que o espectador compreenda o tamanho do abismo em que Eliseo se encontra.
A obra também questiona o papel da sociedade na criação de monstros. Ao contrário de outros filmes que tratam de psicopatas como exceções à norma social, “Satanás” sugere que qualquer pessoa, se empurrada ao limite, pode se tornar capaz de atos incompreensíveis. Isso é uma ideia poderosa, que o filme poderia explorar mais a fundo. Em vez disso, ele se limita a mostrar as consequências dessa violência de maneira superficial, sem refletir sobre o contexto que permitiu que ela se manifestasse.
Reflexões pessoais e contexto social
Para quem acompanha a realidade colombiana, especialmente no contexto da violência das décadas passadas, “Satanás” não é apenas um filme sobre um massacre. É uma metáfora para uma sociedade traumatizada, em que a violência é uma constante, muitas vezes ignorada. A história toca de perto as memórias pessoais de muitos, como o caso de Roberto Montes, meu primo, que foi vítima de uma tragédia muito similar à do filme. A dor que se reflete na perda de uma vida jovem, como a de Roberto, é algo que transcende a ficção. Ver o filme se desenrolando com cenas de sangue e violência, sem dar o devido peso às vítimas, é uma experiência desconfortável.
A produção, embora bem realizada tecnicamente, com uma fotografia envolvente e um design de som eficaz, falha na construção da história. O roteiro, que busca criar uma sensação de desespero e desintegração, acaba se arrastando em certos momentos, sem atingir o impacto desejado. A sensação de que o filme se perde em suas próprias divagações é uma constante, fazendo com que o espectador se pergunte onde está o foco real da trama.
Uma reflexão necessária, mas imperfeita
“Satanás” é um filme que provoca, mas também deixa a sensação de que poderia ter ido mais fundo. Sua mensagem, embora importante, não é bem transmitida devido às falhas na construção dos personagens e na falta de uma exploração mais profunda do mal que se desenha na mente de Eliseo. A violência, embora gráfica e angustiante, não é o principal problema do filme, a falta de entendimento sobre seus protagonistas é. Ao tentar ser mais do que um simples retrato de um massacre, o filme falha em se conectar emocionalmente com o espectador, resultando em uma obra que, embora potente em sua temática, perde a força ao não fornecer respostas suficientes.
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