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O caso das estranhas coincidências

O caso das estranhas coincidências

No primeiro capítulo do meu romance “Quincas Borba e o Nosferatu”, o narrador Brás Cubas escreve: “Nesta nossa terra é melhor ser um autor defunto do que um defunto autor”.

Foi o que pensei quando vi, na “Ilustrada”, a Rocco anunciando que lançará um livro de Pedro Bandeira que coloca Sherlock Holmes investigando o suposto adultério de Capitu.

“Ué”, pensei, “mas esse é o ponto de partida do meu livro!”

A trama começa assim: depois de ficar rico, Quincas Borba vai passar uns tempos em Paris onde conhece Auguste Dupin, o antecessor literário de Sherlock Holmes, criado por Edgar Allan Poe em 1841. De volta ao Rio, Quincas abre um escritório de “investigações filosóficas”, juntando o Humanitismo à arte da detecção. Seu primeiro cliente é justamente Bentinho, que deseja investigar sua mulher, Capitu.

Só pode ser coincidência, pensei. Afinal, o próprio Pedro Bandeira escreveu outro livro que tem Holmes como personagens e o Jô Soares já trouxe o detetive para o Brasil Império em “O Xangô de Baker Street”.

Meu livro não tem o Sherlock, é verdade, pois a ação se passa em 1869, durante a Guerra do Paraguai, e o detetive de Arthur Conan Doyle só começou a atuar em 1887. Mas é uma clara aventura sherlockiana com Quincas Borba assumindo o papel do detetive e Brás Cubas como um dr. Watson cínico e não muito confiável. No epílogo, que acontece em Londres, em 1893, aparecem o irmão do detetive, Mycroft Holmes, o próprio Watson e um personagem bastante importante para a trama de “Dom Casmurro”.

Outra coincidência interessante é que submeti “Quincas Borba e o Nosferatu” à própria editora Rocco. Na época, o livro ainda se chamava “Quincas Borba versus Drácula”. Enviei um e-mail para uma editora da empresa em 17 de novembro de 2023 com a sinopse e o texto original. Como não obtive retorno, cobrei uma resposta em 11 de janeiro de 2024 e recebi um e-mail curto dizendo de que a editora não tinha interesse na obra. Isso faz parte da vida e não me deixo deprimir por rejeições. Sou forçado a acreditar, contudo, que a Rocco não analisou cuidadosamente o original, por isso aceitou, ou encomendou, livro semelhante a outro autor. Ah, como é difícil viver da escrita, essa atividade que não eleva, não honra e nem consola!

Como diz Quincas Borba no meu romance, ao encontrar pela primeira vez o ciumento Bento Santiago, “a dúvida é própria da condição humana, portanto, de Humanitas. Acredito que nada há a se desvendar nisso tudo, mas se o senhor o desejar, eu e meu auxiliar Brás Cubas teremos enorme prazer em comprovar a narrativa da sua esposa. Como diz meu dileto amigo Auguste Dupin, ‘a verdade nem sempre se encontra no fundo de um poço, ela muitas vezes está nos vales, visível a todos nós’”.