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O filme de Christopher Nolan que mudou o cinema moderno chegou à Netflix Divulgação / Warner Bros.

O filme de Christopher Nolan que mudou o cinema moderno chegou à Netflix

Medo, luto e a semente do morcego

A narrativa de “Batman Begins”, dirigida por Christopher Nolan, acompanha Bruce Wayne desde o trauma pela perda dos pais até a construção deliberada de uma figura mascarada que passa a atuar nas sombras de Gotham. Christian Bale interpreta esse herdeiro atormentado com contenção, enquanto Michael Caine faz de Alfred um contraponto afetuoso, e Liam Neeson encarna Henri Ducard como mentor severo. O conflito central opõe a vontade de salvar a cidade e a tentação de aceitá-la como irrecuperável.

Na infância, Bruce cai em um poço da propriedade e é cercado por morcegos, experiência que associa para sempre escuridão a vulnerabilidade. Mais tarde, ao ver os pais assassinados por Joe Chill depois de uma saída ao teatro, transforma medo em culpa, convencido de que seu pânico teve peso na tragédia. A mansão passa a ser habitada por um menino retraído e por Alfred, que tenta oferecer consolo e estrutura. O filme insiste nesse vínculo entre trauma e responsabilidade futura.

Quando a vingança falha e o mundo se alarga

Anos depois, já adulto, Bruce retorna a Gotham disposto a matar Chill, libertado em troca de delatar crimes do mafioso Carmine Falcone. A arma escondida sob o paletó indica uma decisão tomada, mas outro assassino, ligado a Falcone, executa o homem antes que ele possa agir. Rachel Dawes, amiga de infância transformada em promotora, o confronta, lembrando que a cidade não melhora quando um bilionário troca o tribunal por vingança. Essa combinação de humilhação e esclarecimento leva Bruce a abandonar tudo e desaparecer do mapa.

Ele atravessa fronteiras, conhece prisões estrangeiras e observa de perto quem vive à margem, até ser localizado por Ducard em nome de uma organização chamada Liga das Sombras. Nas montanhas geladas, passa por treinamento físico e mental rigoroso, aprende a se mover na escuridão, a usar o medo de forma calculada e a abandonar qualquer apego que possa comprometer uma missão. Quando a Liga exige que execute um prisioneiro como rito de passagem, Bruce recusa e incendeia o esconderijo, salvando Ducard desacordado e rompendo com aquela doutrina extrema.

Forjar um símbolo nas entranhas de Gotham

De volta a Gotham, encontra uma cidade tomada pela corrupção, controlada por Falcone e por autoridades coniventes, e decide que só terá alguma chance se transformar a identidade em arma. A fachada pública continua a de playboy desinteressado, mas, sob a mansão, a caverna vira base de operações, e na Wayne Enterprises ele descobre, por meio de Lucius Fox, equipamentos que reaproveita em sua cruzada. O traje, o veículo blindado, os aparelhos de escalada e o próprio símbolo do morcego nascem de escolhas sucessivas, ou melhor, de uma série de ajustes pragmáticos para encarnar o medo que ele mesmo sentia quando criança.

Quando sai para a primeira noite como Batman, tudo ainda é improviso. Quedas. Erros de cálculo. Mesmo assim, a captura de Falcone no porto, deixado amarrado para a polícia, muda o equilíbrio nas ruas. James Gordon, um dos poucos policiais honestos do departamento, percebe que aquela figura mascarada não é apenas lenda urbana. Ele hesita. Observa. Testa até que ponto pode aceitar ajuda de alguém que funciona fora da lei, mas parece disposto a enfrentar riscos que a corporação evita.

Terror químico, justiça extrema e cidade em colapso

A ofensiva contra o crime comum logo revela um problema mais fundo. Jonathan Crane, psiquiatra responsável por laudos em Arkham, colabora com Falcone e utiliza uma toxina alucinógena derivada de substâncias ilegais para manipular internos e inimigos. Com a máscara de saco na cabeça, transformado no Espantalho, ele espalha o gás em interrogatórios e em ataques pontuais, distorcendo rostos e paredes conforme o medo de cada vítima. Em certo momento, o próprio Batman é exposto ao veneno e precisa contar com a ajuda de Alfred e de um antídoto experimental preparado por Fox.

A investigação de Rachel sobre o esquema em Arkham leva à descoberta de que a toxina foi introduzida na rede de água da cidade, tornando-se inofensiva até ser vaporizada. A volta de Ducard, agora revelado como verdadeiro Ra’s al Ghul, expõe o plano da Liga das Sombras: usar um emissor de micro-ondas roubado da Wayne Enterprises para evaporar a água e liberar o gás de medo pela cidade, concentrando a ação na região mais pobre. O ataque à Mansão Wayne, com as chamas tomando corredores e Alfred carregando Bruce ferido, mostra que a destruição pretendida é tanto física quanto simbólica.

No trecho final, a pressão se condensa numa corrida pelo sistema de trânsito elevado, onde o emissor é acoplado ao trem que segue rumo ao centro financeiro. Batman precisa impedir o contato entre o veículo e a central da rede enquanto enfrenta Ra’s dentro do vagão, e Gordon tenta deter o percurso do lado de fora, no Batmóvel. O que está em jogo não é a integridade de prédios e pontes, mas a possibilidade de Gotham ser usada como exemplo de punição para outras cidades consideradas decadentes pela Liga.

Esse desenho de ação ganha peso graças à fotografia de Wally Pfister, que filma becos, telhados e interiores com luzes duras recortando a escuridão, e a uma trilha musical que aposta em pulsos mais rítmicos que melódicos. Bale molda Bruce como alguém perto de perder o controle, Caine dá humanidade a Alfred, Neeson apresenta firmeza gelada a Ducard, enquanto Katie Holmes, Gary Oldman, Cillian Murphy e Morgan Freeman definem a presença institucional em Gotham. O plano final, com um cartão de baralho exibindo um criminoso ainda por vir, lembra que, apesar do esforço, a cidade continua vulnerável, suspensa naquele silêncio que antecede a próxima noite.

Filme: Batman Begins
Diretor: Christopher Nolan
Ano: 2005
Gênero: Ação/Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★