Num mundo que mede pessoas por sua utilidade econômica, o envelhecimento é uma maldição. Quando o valor de um indivíduo é determinado pela riqueza que pode gerar, ganha corpo uma cadeia de preconceitos que minam a dignidade e cerceiam as garantias legais de cidadãos fora do mercado de trabalho depois de anos de batente, e aí a barbárie é só uma questão de tempo. Desumaniza-se o idoso numa lógica perversa, que defende substituir cuidados e solidariedade por cálculos indiferentes à vida humana. A ideia de eliminar pessoas para equilibrar as contas públicas é uma ideia que a japonesa Chie Hayakawa esmiúça em “Plano 75”, distopia sobre dramas cada vez mais palpáveis e que não têm recebido a atenção que merecem. Em sua estreia à frente de um longa, Hayakawa desvenda o horror tácito a um estrato da população que tenta sobreviver sem o respaldo das autoridades, e aproveita para desenvolver um argumento ainda mais estarrecedor.
Um vulto coberto de sangue aparece na primeira cena, mas “Plano 75” é bem menos explícito do que faz supor. Pouco depois, vê-se um homem disparando uma espingarda contra a própria cabeça, e fica-se sabendo que sua motivação foi ter chegado à velhice e não poder mais dispor de assistência previdenciária. Para evitar que casos assim tornem a acontecer, o governo lança a iniciativa que dá nome ao filme, voltada a oferecer eutanásia gratuita a maiores de 75 anos. Hayakawa e o corroteirista Jason Gray mostram um grupo de senhoras faxinando um quarto de hotel, preocupadas com a família e a saúde umas das outras. Experientes, elas intuem estão com os dias contados no emprego, e Michi, a mais solitária delas, escuta do gerente que os hóspedes incomodam-se de presenciar gente velha ainda trabalhando.
Michi não tem parentes e só pensa em arrumar nova ocupação o mais rápido possível, até que o Plano 75 chega-lhe em socorro. A diretora urge passagens tragicômicas, detalhando algumas características do programa, tocado por burocratas jovens que vendem pacotes customizados, com refeições sofisticadas que, eles imaginam, hão de atenuar o desconforto. Muito da verossimilhança do enredo, desvairado, mas certeiro, deve-se a Chieko Baishō, que verte o cinismo dos diálogos em reflexões sobre a finitude e o que guarda-nos o “progresso”. Viver mais tem se revelado um assunto espinhoso neste insano século 21. Políticos devem enfrentá-lo o quanto antes — como, novamente, faz o cinema.
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