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Um dos últimos respiros de sanidade de Bruce Willis: thriller recém-chegado à Netflix estreia direto no Top 10 Divulgação / Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)

Um dos últimos respiros de sanidade de Bruce Willis: thriller recém-chegado à Netflix estreia direto no Top 10

“Desejo de Matar” é um thriller de vingança lançado em 2018, produzido nos Estados Unidos e atualmente disponível na Netflix. Dirigido por Eli Roth, o filme reinterpreta a obra original de 1974 e acompanha Paul Kersey, interpretado por Bruce Willis, um cirurgião acostumado a reconstruir vidas destroçadas que, após um ataque violento contra sua família, abandona a estabilidade do jaleco para entrar em uma espiral de violência urbana. A narrativa se ancora na lógica clássica do vigilante solitário que ultrapassa os limites da lei, mas tenta atualizar a discussão para um cenário dominado por câmeras, redes sociais e julgamentos instantâneos.

A produção voltou a circular entre os mais assistidos da plataforma. A violência como catarse cinematográfica ganhou leituras mais brandas do público jovem, que a descobriu agora. O algoritmo a colocou em evidência de novo, e a comparação com o original tem gerado revisões críticas que a obra nem sempre recebeu no lançamento inicial.

Minha experiência

O que mais me chamou atenção foi como Bruce Willis contorna, mesmo em uma fase mais discreta da carreira, a compostura apagada de Paul com uma raiva contida que nunca explode totalmente. Há algo incômodo na forma como o filme tenta equilibrar brutalidade e moralidade, como se quisesse convencer o espectador de que toda resposta deve ser extrema. Não é surpresa perceber que a montagem insiste em opor o Paul médico ao Paul executor, mas essa dualidade raramente encontra profundidade; ainda assim, a tensão criada em torno dessa transformação tem um magnetismo estranho.

Ele se destaca pela maneira como a cidade se torna um personagem, reagindo aos atos de Paul como um organismo que aprova e repudia simultaneamente o vigilante anônimo.

O homem comum deslocado

O primeiro eixo que se destaca é a maneira como o roteiro constrói o desamparo de Paul. Elisabeth Shue interpreta Lucy, cuja presença breve, mas luminosa, reforça a vida doméstica que se desfaz de forma abrupta. Dean Norris, como o policial Rains, atua como contraponto, representando o sistema engessado que não alcança respostas rápidas. A violência que invade a casa dos Kersey funciona quase como uma intrusão na identidade do protagonista, e é nesse momento que o filme aposta todas as fichas no choque emocional. A partir daí, a narrativa se organiza em pequenas escaladas de agressividade, adotando um ritmo que expõe mais a deterioração moral do que a eficiência do vigilante. Não existe um arco de redenção: só o peso crescente das escolhas.

A cidade que observa

Outro ponto essencial está na representação de Chicago. As ruas filmadas por Roth têm sempre um ar de urgência, com sirenes, rádios da polícia e gravações de celular alimentando a narrativa como se ela estivesse em constante transmissão ao vivo. Essa saturação sonora e visual dá ao espectador a sensação de que ninguém escapa da vigilância coletiva. Os vídeos dos atos de Paul viralizam, e o filme especula sobre como a sociedade transforma violência em espetáculo. É um comentário que não aprofunda, mas provoca incômodo suficiente para manter o interesse.

Vingança como espiral

A partir do meio do filme, a escalada de Paul já não parece movida apenas pela dor inicial, mas por uma espécie de anestesia emocional. O personagem deixa de hesitar, e Bruce Willis incorpora essa mudança com um rosto quase inexpressivo, como alguém que perdeu a capacidade de se reconhecer no próprio reflexo. O antagonismo com os criminosos é simples, quase esquemático, mas serve ao propósito de mostrar um homem que abandona a lógica da cura para adotar a lógica da eliminação. A montagem tenta conferir fluidez a essa transição, alternando momentos de brutalidade com cenas de reflexão silenciosa.

Veredito

“Desejo de Matar” permanece um thriller irregular, mas tem uma energia própria que o diferencia das produções recentes do gênero. Oscila entre comentário social e espetáculo de violência, mas quando acerta, oferece um retrato perturbador de um homem comum que decide agir sozinho em um mundo saturado de medo e julgamentos instantâneos.

Filme: Desejo de Matar
Diretor: Eli Roth
Ano: 2018
Gênero: Ação/Crime/Drama/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★