Na tela, o que aparece primeiro não é um gol histórico, mas uma tabela. Linhas com nomes, colunas com gols, assistências, jogos, prêmios, títulos. Em vez de narrativas de bastidor, o ponto de partida é um recorte numérico: o Brasileirão por pontos corridos, de 2003 a 2023, visto como banco de dados. A proposta é usar esse material para montar, com auxílio de um algoritmo, um time ideal de onze jogadores com critérios mensuráveis.
A era dos pontos corridos é tratada como um conjunto único de informações em que gols, assistências, número de partidas, prêmios individuais e participação em campanhas campeãs são cruzados em um modelo estatístico. O recorte considera apenas a Série A, já sob o formato de 38 rodadas, com turno e returno, o que garante uma base mais homogênea para comparação. Rankings públicos de artilharia, listas de assistências, somatórios de jogos disputados e históricos de premiações como Bola de Prata e Craque do Brasileirão alimentam a base unificada de desempenho individual.
O algoritmo parte da definição de um universo claro: atletas que atuaram no Brasileirão por pontos corridos, entre 2003 e 2023, com volume relevante de jogos ou presença em rankings históricos de gols, assistências, participações em gols, prêmios e títulos. A ideia não é medir talento abstrato, e sim impacto mensurável em um campeonato longo, disputado em alto nível.
Sobre essa base, são calculados três grandes blocos de pontuação. O primeiro mede impacto ofensivo, somando gols, assistências, participações diretas em gols e média por partida. O segundo registra reconhecimento institucional, por meio de prêmios de melhor jogador, presença em seleções do campeonato, troféus de melhor em cada posição e protagonismo em campanhas campeãs. O terceiro sintetiza longevidade e consistência, combinando número de jogos na Série A, temporadas relevantes e permanência em clubes que disputam a parte de cima da tabela.
Formação, pesos e lógica por posição
Em termos práticos, cada jogador recebe uma nota de 0 a 100 em cada bloco, a partir de sua posição relativa nos rankings. Depois, essas notas são ponderadas de acordo com a função em campo. Goleiros e zagueiros têm maior peso para longevidade e consistência, já que números ofensivos dizem pouco sobre o desempenho defensivo. Laterais precisam somar presença constante em campo e contribuição ofensiva, medida de forma indireta por assistências e participação em jogadas de gol.
Meias ofensivos e pontas são avaliados sobretudo pelas participações em gols, pois é nelas que se concentra sua influência direta no placar. Centroavantes concentram o maior peso em artilharia e média de gols por jogo. O reconhecimento institucional funciona como contrapeso: prêmios sucessivos de melhor jogador ou melhor da posição sinalizam que o impacto numérico se converteu em percepção pública consistente.
A formação escolhida é um 4-2-3-1, que distribui um goleiro, quatro defensores, dois meio-campistas centrais, três meias ofensivos ou pontas e um centroavante. Cada atleta é classificado pela função predominante desempenhada no Brasileirão, mesmo que, ao longo da carreira, tenha ocupado mais de um lugar em campo. A partir dessa arquitetura, o algoritmo calcula um índice final para cada jogador elegível e monta uma única escalação.
Os onze titulares escolhidos pelos dados

Fábio Deivson Lopes Maciel aparece como goleiro incontestável da era dos pontos corridos. Soma mais de 700 jogos na Série A, lidera o ranking de partidas disputadas e também o de jogos sem sofrer gol no recorte. A trajetória inclui protagonismo em títulos brasileiros pelo Cruzeiro em 2013 e 2014 e desempenho ainda relevante no Fluminense campeão continental. No modelo, isso se traduz em pontuação máxima em longevidade e alta nota em reconhecimento institucional.

Marcos Luis Rocha Aquino ocupa a lateral direita por uma combinação estatisticamente rara: muitos anos na elite, índices elevados de desarmes por partida, participação ofensiva com assistências e uma série de títulos nacionais e continentais, sobretudo pelo Palmeiras campeão brasileiro e da Libertadores. Ele figura entre os jogadores de linha com maior número de partidas em equipes que brigaram regularmente pelo topo da tabela, o que reforça seu índice de consistência.

Pedro Tonon Geromel lidera entre os zagueiros pelo acúmulo de prêmios individuais e pela regularidade em alto nível. Foi eleito melhor zagueiro do Brasileirão em quatro temporadas seguidas e presença constante em seleções do campeonato, com indicadores defensivos acima da média em desarmes, interceptações e duelos vencidos. A permanência prolongada no Grêmio, quase sempre em elencos competitivos, eleva sua nota em longevidade e consolida sua posição na zaga.

Réver Humberto Alves Araújo aparece como segundo zagueiro pela soma de títulos, constância e um dado incomum para a posição: mais de 30 gols marcados em Brasileirões, principalmente em bolas paradas. Ele acumula anos como titular em clubes grandes, participa de campanhas importantes, incluindo título brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores, e oferece impacto direto no placar. No cálculo, isso garante pontuação relevante tanto em longevidade quanto em impacto ofensivo.

Fábio Santos Romeu se destaca na lateral esquerda ao reunir volume de jogos, gols e títulos em mais de um clube. Ele figura entre os atletas com mais partidas na história recente do Brasileiro e lidera o número de gols entre laterais na era dos pontos corridos, impulsionado pela eficiência em cobranças de pênalti. O algoritmo registra participação direta em títulos nacionais e continentais por São Paulo e Corinthians, além de conquistas estaduais relevantes pelo Atlético-MG, o que reforça seu índice agregado.

Anderson Hernanes de Carvalho Viana Lima, o Hernanes, ocupa a primeira vaga no meio-campo central como exemplo de pico de desempenho muito forte em período relativamente curto. Pelo São Paulo, acumulou Bolas de Prata, foi eleito melhor jogador do Brasileirão em uma temporada e teve papel técnico central em equipes campeãs. A boa produção de gols de média distância reforça seu impacto ofensivo e compensa a menor quantidade de anos seguidos na Série A.

Diego de Souza Andrade, o Diego Souza, entra como meia ofensivo ou segundo atacante, mas com números próximos aos de um centroavante. Soma 130 gols na Série A e figura entre os primeiros colocados em participações diretas em gols na era dos pontos corridos, com 190 ações entre gols e assistências. Jogou por diversos grandes clubes, quase sempre com protagonismo técnico. A versatilidade de funções reforça sua pontuação em impacto ofensivo e longevidade.

Everton Augusto de Barros Ribeiro aparece pela direita ao combinar prêmios de melhor jogador do campeonato, títulos brasileiros por clubes diferentes e participação contínua na construção ofensiva. Em Cruzeiro e Flamengo, organizou o jogo entre linhas, acumulou assistências e contribuiu com gols decisivos em campanhas vitoriosas. O algoritmo registra notas altas em reconhecimento institucional e impacto ofensivo, somadas a boa longevidade em times que disputaram títulos.

Giorgian Daniel de Arrascaeta Benedetti, o Arrascaeta, assume a posição central por reunir números expressivos de assistências e participações diretas em gols, além de títulos nacionais e continentais. Ele é o líder em assistências na era dos pontos corridos, com mais de 75 passes para gol, e ultrapassa 140 participações diretas em gols na Série A. Em termos estatísticos, é um dos meias mais produtivos do período analisado.

Eduardo Pereira Rodrigues, o Dudu, fecha a linha de três pela esquerda. O algoritmo registra anos como protagonista em equipes do Palmeiras que disputaram e venceram o Brasileirão em diferentes temporadas, presença entre os líderes em assistências e um volume importante de gols. Ele funciona simultaneamente como criador e finalizador. Essa dupla função se reflete em pontuação alta em participações diretas em gols, prêmios individuais e participação em múltiplos títulos nacionais pelo clube.

Frederico Chaves Guedes, o Fred, é o centroavante da equipe ideal. Principal artilheiro do Brasileirão na era dos pontos corridos, com 158 gols, aproxima-se de duzentas participações diretas em gols na competição ao somar também assistências. Mantém média por jogo superior à de outros candidatos à posição e foi figura central em campanhas campeãs, especialmente pelos títulos brasileiros com o Fluminense. Para o modelo, a combinação de artilharia, constância e protagonismo torna sua escolha difícil de contestar.
O que a escalação revela sobre o Brasileirão
O desenho final do time ajuda a iluminar padrões do futebol brasileiro recente. A presença majoritária de atletas ligados a clubes como Cruzeiro, Flamengo, Palmeiras, São Paulo, Fluminense, Grêmio, Atlético-MG e Corinthians espelha a concentração de títulos e campanhas consistentes nesses times ao longo das duas décadas. A metodologia, ao valorizar volume de jogos em alto nível e participação em campanhas campeãs, tende a privilegiar elencos de clubes hegemônicos no período.
Outro traço visível é a vantagem de carreiras longas no país. Jogadores que mantiveram desempenho estável em várias temporadas somam pontos tanto em longevidade quanto em reconhecimento institucional. Já atletas com passagens brilhantes, porém curtas, aparecem bem em alguns indicadores, mas não alcançam o índice agregado necessário para entrar na equipe ideal. A seleção, portanto, favorece regularidade sustentada mais do que explosões pontuais.
Ao mesmo tempo, o modelo reconhece picos de desempenho quando eles são respaldados por prêmios e impacto numérico claro. Casos como o de Hernanes, com forte concentração de conquistas individuais em poucos anos, mostram que é possível alcançar a escalação mesmo com uma janela temporal mais curta, desde que o impacto seja muito acima da média.
Limites e próximos passos da leitura estatística
A experiência tem limites claros. O algoritmo trabalha com rankings consolidados e não acessa cada evento de cada partida disputada desde 2003. Métricas avançadas, como gols esperados, passes progressivos ou ações defensivas detalhadas, só estão disponíveis de forma consistente para as temporadas mais recentes e, por isso, não foram incorporadas de maneira homogênea ao modelo.
As escolhas de recorte e de pesos também influenciam o resultado. Se o critério priorizasse apenas picos técnicos de uma ou duas temporadas, a escalação mudaria, abrindo espaço para outros nomes. Se desse mais peso a métricas modernas de construção de jogo, alguns perfis de meio-campistas ganhariam espaço. O que se oferece aqui é uma síntese possível a partir dos dados disponíveis, não uma verdade definitiva sobre a história do campeonato.
Ainda assim, a seleção algorítmica reorganiza a discussão sobre a era dos pontos corridos. Em vez de se apoiar apenas na memória afetiva, coloca em primeiro plano séries longas de gols, assistências, jogos, prêmios e títulos. Funciona como uma fotografia estatística de vinte anos de Campeonato Brasileiro, que ajuda a entender quem, numericamente, esteve mais presente no centro das decisões — e que, inevitavelmente, continuará alimentando debates entre torcedores, pesquisadores e analistas.


