“Carrie, A Estranha” é um terror norte-americano de 1976, dirigido por Brian De Palma, adaptado do romance de Stephen King. É um filme de modesto orçamento que se apoia na performance de Sissy Spacek (Carrie White) e Piper Laurie (Margaret White).
O longa voltou ao catálogo da Netflix e retornou às listas de mais assistidos, reacendendo o interesse por uma história que costuma ser revisitada em ciclos, sempre que o público busca clássicos capazes de dialogar com temas atuais de abuso, controle social e isolamento juvenil.
Minha experiência real
Assisti assim que entrou na Netflix e o que mais me chamou atenção foi a estrutura simples, mas precisa, que acompanha Carrie desde o vestiário da escola até o baile. A progressão de sua transformação nunca depende apenas do recurso sobrenatural. De Palma constrói o caminho da personagem pela soma de pequenas violências repetidas, e isso torna o desfecho compreensível, ainda que brutal.
Tem algo que o distingue de outros thrillers recentes: a capacidade de extrair impacto emocional sem recorrer a excessos visuais ou reviravoltas artificiais.
A origem do conflito
“Carrie, A Estranha” se inicia com um episódio que define a lógica do restante da narrativa: a protagonista, após menstruar pela primeira vez, reage em pânico no vestiário da escola. As colegas transformam o momento em humilhação coletiva. Carrie nunca aprendeu a interpretar o próprio corpo porque cresceu sob a tutela de Margaret White, vivida por Piper Laurie, uma mulher dominada por fanatismo religioso. O lar funciona como extensão do medo, não como espaço de proteção. Carrie é trancada, punida e instruída a enxergar a própria existência como pecado.
Esse ambiente produz uma personagem incapaz de elaborar sua subjetividade. A telecinese não entra como elemento ornamental. Ela aparece como extensão psicológica do que Carrie não consegue verbalizar. A mente substitui o gesto; o impulso vence a fala.
A escola reforça esse processo. Chris Hargensen, interpretada por Nancy Allen, organiza novas humilhações após ser impedida de ir ao baile. Em contraste, Sue Snell (Amy Irving), arrependida, tenta reparar o dano pedindo para Tommy Ross (William Katt) acompanhar Carrie ao evento. A noite do baile, portanto, nasce como tentativa de reconciliação social, mas também como experimento emocional de curto prazo, construído em terreno frágil.
A transformação e o retorno da violência
O baile se torna o ponto de virada porque reúne todos os elementos que moldaram a trajetória de Carrie. De Palma investe em uma construção gradativa para que a aproximação entre Carrie e Tommy pareça possível, mesmo que momentânea. Sissy Spacek trabalha com pequenos gestos e olhares que indicam hesitação, medo e desejo genuíno de pertencimento.
O incidente do balde de sangue funciona como detonador de algo acumulado por anos. A partir dali, Carrie substitui qualquer racionalização por um impulso devastador. A violência acontece não como espetáculo isolado, mas como consequência direta dos sistemas que a empurraram para a margem. Cada morte no ginásio funciona como demonstração extrema de uma personagem que não encontrou outra forma de existir.
A sequência final, já na casa onde vive com Margaret, retoma a relação mãe-filha como núcleo do sofrimento. Margaret interpreta a telecinese como prova de condenação. A cena resolve a tensão acumulada entre submissão e autonomia, e o desfecho reafirma que o filme não trata apenas de terror, mas de formação truncada por estruturas familiares e sociais rígidas.
Permanência e impacto
Rever “Carrie, A Estranha” evidencia por que o filme continua relevante. Sua força não está apenas nas cenas icônicas, mas na precisão com que expõe mecanismos de humilhação que persistem em diferentes contextos. O terror não depende exclusivamente do sobrenatural, e sim da convergência entre intolerância, isolamento e ausência de mediação adulta.
É um clássico que continua a suscitar debate porque articula sofrimento individual e violência coletiva sem simplificações. Mesmo com limitações pontuais, permanece como um dos retratos mais diretos sobre adolescência, fanatismo e perda de controle social.
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