O filme que todo mundo deveria assistir para acalmar a alma acaba de chegar ao Prime Video Studiocanal GmbH / Mika Cotellon

O filme que todo mundo deveria assistir para acalmar a alma acaba de chegar ao Prime Video

Um homem de meia-idade passa os dias sentado no sofá, afastado do trabalho, olhando pela janela sem curiosidade. Quando finalmente volta à piscina municipal, não é para treinar, mas para passar o tempo sob o cheiro de cloro e o som distante de crianças em aula. Em “Um Banho de Vida”, Gilles Lellouche acompanha esse sujeito, vivido por Mathieu Amalric e acompanhado por Guillaume Canet, enquanto um anúncio de equipe masculina de nado sincronizado acena com algum propósito. O conflito central concentra-se em saber se esse time improvável consegue sustentar equilíbrio emocional sem desmoronar a vida doméstica e financeira de quem mergulha no projeto.

Bertrand aceita preencher a ficha do time num impulso que mistura cansaço de remédio, vergonha de decepcionar a esposa e desejo mudo de sair de casa com outro destino que não a farmácia. Ele decide aparecer ao primeiro treino, encara o vestiário cheio de homens desconhecidos, escuta instruções básicas e se joga na água com o corpo pesado, pouco treinado. A dificuldade salta nos primeiros segundos: falta fôlego, falta ritmo, sobra autoconsciência. Ainda assim, ao voltar para casa, ele carrega uma pequena vitória objetiva, um compromisso concreto marcado para a semana seguinte.

Laurent tenta manter uma pequena fábrica funcionando enquanto as contas se acumulam na mesa da cozinha. Marcus empilha negócios mal calculados e justificativas cada vez mais frágeis. Simon insiste em lembrar tempos de palco, preso a um passado em que se sentia ouvido. Cada um escolhe entrar na equipe por motivos distintos, quase sempre pouco nobres: fugir do casamento em crise, evitar exame bancário, escapar do olhar de filhos que já não pedem conselho. A piscina, com seu azulejo gasto e o eco dos apitos, torna-se um ponto de encontro em que o fracasso compartilhado pesa um pouco menos.

Quando Delphine aceita treinar o grupo, a iniciativa também responde a um vazio. Ex-atleta afastada das competições, ela trabalha ali tentando conter o próprio ressentimento com uma carreira que não rendeu estabilidade. Amanda, em cadeira de rodas e de olhar direto, entra como auxiliar e rapidamente adota uma postura rígida, decidindo tratar aqueles homens amadores como se fossem uma seleção em queda de rendimento. A direção da piscina hesita em ceder espaço e horários, temendo acidentes e reclamações. A escolha das treinadoras de manter a equipe ativa muda o peso do compromisso: agora existe um calendário e um campeonato em perspectiva.

Ninguém sabe apontar o pé. Ninguém lembra a ordem dos movimentos. Um erra a entrada. Outro esquece de respirar. Eles decidem repetir o mesmo exercício simples dezenas de vezes. Caem juntos. Batem cabeça. A motivação é básica: conseguir ficar alguns segundos alinhados sem virar piada. A câmera acompanha de perto esse esforço, dentro e fora d’água, e cada pequeno acerto tem efeito imediato na disposição do grupo, que passa a chegar mais cedo, a falar menos de derrota e mais de próximos passos.

Em paralelo, o filme volta constantemente às casas, escritórios e carros desses homens, reforçando que o tempo da piscina sempre cobra preço fora dali. Bertrand opta por esconder de início a atividade da esposa, alegando sessões extras de terapia. Laurent posterga reuniões decisivas, desloca prazos, contrata pouco. O obstáculo central passa a ser conciliar a nova rotina com obrigações antigas, e o efeito disso, apesar do tom leve, aparece em olhares desconfiados, contas atrasadas, convites recusados.

À medida que a data do campeonato se aproxima, as três linhas principais se cruzam de forma mais evidente, dentro e fora d’água, porque Delphine precisa escolher entre cuidar da própria sobriedade e manter a autoridade sobre a equipe, Amanda enfrenta a dúvida íntima sobre continuar ligada a um projeto que pode resultar em humilhação pública, e os homens, pressionados por familiares e patrões, avaliam se vale a pena viajar longe para possivelmente ouvir gargalhadas em arquibancada cheia, o que torna cada treino um teste de persistência e de limite pessoal ao mesmo tempo.

Nesse trecho, a comédia ganha força justamente ao expor falhas. Um salto atrasado. Uma barriga que escapa da touca de borracha. Um grito de incentivo que sai desafinado. Gilles Lellouche decide filmar muitos desses momentos em planos ligeiramente mais longos, permitindo que o constrangimento se instale antes de qualquer alívio. A escolha enfatiza o que está em jogo: não se trata apenas de vencer uma competição modesta, mas de testar se esses homens conseguem mostrar fragilidade em público sem desabar. O riso, aqui, acompanha o risco, não o apaga.

Há ainda uma observação curiosa: a piscina municipal francesa, com seus azulejos um pouco gastos e o café improvisado ao lado, lembra muitos clubes de bairro brasileiros, e isso ajuda a aproximar o espectador daquelas figuras. Nesse ambiente comum, o time masculino de nado sincronizado deixa de parecer piada excêntrica para se tornar extensão de um hábito local qualquer. A decisão de situar o grupo ali, e não em instalações luxuosas, reforça o caráter ordinário daquelas crises.

Já no dia da apresentação, o cruzamento de vidas encontra seu ponto de maior risco. Bertrand chega ao centro aquático sob olhar atento da família, Marcus e Laurent carregam preocupações de dinheiro e trabalho que permanecem sem resposta. Todos vestem o mesmo maiô, a mesma touca, o mesmo sorriso tenso. Decidem alinhar-se na borda, apesar de tudo. Do lado de fora, o público aguarda uma atração curiosa. O salto coletivo, logo em seguida, suspende o futuro do grupo dentro daquele único instante de silêncio submerso.

Filme: Um Banho de Vida
Diretor: Gilles Lellouche
Ano: 2018
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★