O desconforto silencioso que envolve “Sinais” começa antes mesmo que qualquer alienígena cruze o enquadramento; ele se infiltra na rotina esvaziada de Graham Hess, interpretado por Mel Gibson, como se o luto, e não a visita extraterrestre, fosse o verdadeiro corpo estranho naquela fazenda isolada. Ao acompanhar Graham, Bo de Abigail Breslin, Morgan de Rory Culkin e Merrill de Joaquin Phoenix, percebe-se que o filme opera menos como narrativa de invasão e mais como um inventário das rachaduras emocionais que um homem tenta camuflar enquanto o mundo lá fora, ironicamente, parece mais disposto a desabar do que ele próprio. Os primeiros indícios nos campos de milho funcionam como uma espécie de arranhão na superfície de uma vida que já estava à beira do colapso, e é nesse choque entre o íntimo e o épico que a história encontra sua força.
Shyamalan, interpretando Ray Reddy, torna a culpa uma presença física. A morte da esposa de Graham paira sobre cada diálogo, e a tal gravação caseira do suposto alienígena parece menos uma revelação cósmica e mais um estopim emocional. O diretor cria uma cadência que aposta no silêncio como método narrativo, como se cada hesitação, cada pausa proposital, viesse carregada de significados que Graham ainda não está preparado para enfrentar. A invasão, supostamente global, chega a nós filtrada pela precariedade de uma família que se destruiu antes mesmo de ser atacada. É quase perverso notar como a ameaça intergaláctica funciona como catalisadora de sentimentos que já estavam ali, dispersos, esperando um empurrão.
O filme se organiza como um tabuleiro que se move lentamente, mas não por falta de ousadia: há precisão nas escolhas que reduzem o escopo àquele microcosmo rural. Merrill, por exemplo, parece existir entre a frustração e a tentativa de compensar o que o irmão perdeu, oscilando entre humor e inquietação. Bo e Morgan atravessam a narrativa carregando uma inocência que incomoda, porque a presença infantil revela o quanto o medo precisa ser administrado para não contaminar quem ainda acredita em alguma forma de ordem. E quando as notícias televisivas passam a confirmar que o fenômeno acontece em vários países, o contraste entre a cozinha abafada dos Hess e o pânico global se amplia, dando ao filme aquela sensação de que o perigo está em toda parte, inclusive nas frestas pelas quais a própria fé escapa.
A presença dos alienígenas, mesmo quando sugerida, reforça uma espécie de desconforto que não depende de aparições diretas. A cena na qual a criatura fica imóvel, quase como uma sombra ansiosa por se revelar, produz mais inquietação do que qualquer enxurrada de efeitos poderia alcançar. O diretor sabe manipular o olhar do público, alimentando a expectativa de que algo maior está prestes a acontecer, mas nunca entrega a grandiloquência típica de produções sobre invasões. Isso cria uma tensão curiosa: a falta de espetáculo gera mais apreensão do que seu excesso, pois desloca o foco para o que realmente importa, a incapacidade de Graham de lidar com o próprio abismo interno.
Há quem se divirta apontando a incoerência biológica dos visitantes sensíveis à água, e, honestamente, a crítica é compreensível. Mas o filme não pretende competir com tratados científicos. O que vale é compreender como esse detalhe, aparentemente risível, se integra à lógica emocional que sustenta a narrativa: as fraquezas dos alienígenas espelham as de Graham, que também tenta atravessar um ambiente para o qual já não tem defesas. Nesse sentido, a invasão funciona como metáfora involuntária — uma que, por mais imperfeita que seja, dialoga com a fragilidade humana com uma franqueza surpreendente.
A progressão final, ainda que cheia de decisões discutíveis, amplia o dilema de Graham: acreditar ou não acreditar na própria capacidade de reconstrução. Quando Merrill, impulsionado pelo desespero, precisa reagir com agressividade, e Morgan oscila entre a vida e a morte, a história força seu protagonista a enfrentar o que vinha evitando desde o início. Não existe possibilidade de neutralidade diante de uma ameaça que se infiltra no cotidiano e exige respostas imediatas. A tal coincidência envolvendo a água, os copos espalhados e o hábito quase ritualístico de Bo cria um fechamento que desperta questionamentos mais profundos sobre destino, acaso e a maneira como buscamos sentido nas ruínas.
O saldo final de “Sinais” provoca mais do que esclarece. Mesmo com falhas evidentes, o filme se fixa na memória por explorar um território emocional que raramente recebe atenção em histórias de invasão. Graham se torna uma espécie de farol quebrado: ainda ilumina, mas sempre pela metade, revelando somente sombras fragmentadas de sua antiga convicção. A força do filme está justamente nessa forma desconfortável de olhar o medo, não como inimigo externo, mas como intruso íntimo que se instala sem avisar. E talvez seja por isso que, tantos anos depois, continuemos discutindo não os alienígenas, mas o homem que tenta sobreviver a si mesmo enquanto tudo ao redor insiste em desmoronar.
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