“Tempestade“ constrói sua premissa a partir de Jane, interpretada por Sophie Turner, que abandona um tratamento psiquiátrico sem convencer ninguém. Nem a equipe médica, nem o espectador, de que está apta a retomar a própria vida. A personagem se desloca como quem caminha sobre um terreno que cede a cada passo: instável, errática, presa num impulso autodestrutivo que Turner traduz num olhar sempre à beira do esgotamento. O acidente aéreo que a lança nas montanhas congeladas deveria funcionar como o ponto de inflexão definitivo, mas o roteiro cria um descompasso entre a urgência da situação e o tempo gasto antes de chegar a esse acontecimento central. A inclusão do segmento no centro de tratamento parece funcionar apenas como um prólogo estendido, cuja função narrativa poderia ser facilmente absorvida por diálogos posteriores entre Jane e Paul, vivido por Corey Hawkins.
Quando o acidente finalmente ocorre, a lógica interna da narrativa enfraquece. Jane e Paul sobrevivem de maneira pouco verossímil, e a dinâmica entre os dois se estabelece com uma inconsistência difícil de ignorar. Paul oscila entre uma racionalidade supostamente prática e reações que o próprio roteiro não sustenta, tornando-o mais irritadiço que convincente. Essa irregularidade, somada à ausência de experiência de ambos em ambientes hostis, cria uma sucessão de decisões que desafiam qualquer mínimo de credibilidade. O filme aposta em escaladas improváveis, deslizes em penhascos, descidas sem equipamentos e uma espécie de coreografia improvisada de sobrevivência que ignora princípios básicos de orientação em áreas montanhosas. A condução dessas sequências tampouco favorece a tensão; a câmera parece mais interessada em capturar a grandiosidade das locações do que em construir uma sensação real de perigo.
O diretor Mark Pellington recorre a um conjunto de cenas de ação que alternam entre o genérico e o mal calculado, sem encontrar o equilíbrio entre dramatização e plausibilidade. O ataque de um lobo solitário, incluído sem preparação narrativa, funciona mais como um recurso para alongar o tempo de projeção do que como um catalisador emocional para os personagens. Paul enfrenta o animal com uma resistência digna de um atleta treinado, algo incompatível com o estado físico em que se encontra. O resultado é um episódio que interrompe a progressão dramática em vez de fortalecê-la. A posterior decisão de se lançar em águas geladas reforça o mesmo problema: a busca por uma situação extrema substitui o desenvolvimento psicológico que poderia aprofundar o vínculo entre os protagonistas.
A tentativa de sustentar uma conexão emocional entre Jane e Paul se apoia em declarações abruptas, cuja função deveria ser significativa, mas que soam impostadas. O roteiro insiste em uma construção afetiva que não se forma organicamente. A jornada deles, supostamente estruturada para resultar em transformação interior — especialmente no caso de Jane, que oscila entre a entrega ao desespero e a súbita disposição para lutar — carece de uma progressão coerente. Turner entrega a dimensão fragilizada da personagem, mas não recebe do texto suporte suficiente para que sua reconstrução pessoal seja convincente. Hawkins, por sua vez, tenta compensar com intensidade aquilo que falta em consistência narrativa.
Apesar das falhas estruturais, o filme estabelece um pano de fundo que poderia ter rendido mais. As paisagens geladas oferecem um contraste potente com o tumulto emocional de Jane, mas essa metáfora permanecerá apenas sugerida, já que a direção não extrai dela o impacto dramático necessário. Há, no entanto, momentos isolados em que a vulnerabilidade dos personagens emerge como força, especialmente quando Jane enfrenta a lembrança das decisões que a levaram ao ponto de ruptura. Nesses instantes, o filme acena para uma reflexão sobre limites humanos e o desejo de recomeço, ainda que não consiga manter esse nível ao longo de sua duração.
O resultado final mistura intenções ambiciosas e execução irregular. “Tempestade“ se propõe a discutir sobrevivência física e emocional, mas se perde em artifícios que diluem a contundência do que poderia ser uma jornada convincente. O filme sugere mais do que consolida, deixando ao espectador a tarefa de preencher lacunas que deveriam ter sido resolvidas pela narrativa. A história de Jane e Paul possui elementos capazes de sustentar um drama de reconstrução, mas o caminho escolhido dispersa essa potência em conflitos mal articulados, convertendo a experiência em algo que oscila entre o envolvimento ocasional e a frustração constante.
★★★★★★★★★★


