A atmosfera inicial de “Apocalipse Z: O Princípio do Fim“ aposta em um cotidiano que desmorona aos poucos, quase sempre silencioso demais para quem espera o caos imediato típico do gênero. Francisco Ortiz interpreta Miguel, um homem que tenta reorganizar a própria vida após um acidente traumático que inaugura o filme com brutalidade controlada. A partir desse evento, o roteiro conduz o protagonista não como um herói improvável, mas como alguém que tenta preservar alguma normalidade enquanto o país se contamina por um vírus mutante capaz de reduzir a incubação a poucos minutos. Essa aceleração repentina da doença desloca todo o eixo da narrativa: o indivíduo que ainda contabiliza perdas íntimas precisa enfrentar uma ameaça que cresce em ritmo incompatível com qualquer planejamento razoável.
O filme acompanha Miguel no interior de seu apartamento, onde a relação com o gato Napoleão se torna um contraponto inesperado à violência que se espalha do lado de fora. A presença do animal não cumpre uma função decorativa; ela revela a tentativa do personagem de se agarrar a qualquer vínculo estável enquanto a lógica social implode. A direção evita sentimentalismo, mas permite que algumas situações rocem o limite da verossimilhança, especialmente quando o protagonista tenta atravessar ambientes hostis mantendo o felino sob controle. Ainda assim, esses momentos acabam sugerindo mais sobre a fragilidade humana do que sobre o risco físico imediato.
Conforme o surto atinge proporções incontroláveis, o filme introduz lembranças de Helena, esposa falecida de Miguel, que surgem como rupturas bruscas e ampliam a compreensão da solidão que o guia. A tentativa recorrente de contato com a irmã reforça essa busca por algum sentido de continuidade familiar, mesmo quando a comunicação depende de janelas de segurança cada vez mais estreitas. A partir daí, o cenário espanhol devastado por infectados velozes serve apenas como a superfície de uma narrativa que observa como vínculos se desfazem, persistem ou se distorcem sob pressão permanente.
O segundo ato intensifica o ritmo sem abandonar a lógica de sobrevivência prática que orienta Miguel. Novos personagens surgem, entre eles aliados momentâneos como Ruiz e adversários que não precisam de contaminação para justificar crueldade. Essas escolhas humanas se tornam mais perigosas do que a presença dos infectados, sobretudo quando recursos começam a faltar e pequenos grupos disputam rotas de fuga, medicamentos e alimentos com métodos cada vez mais hostis. O filme não suaviza essa dinâmica: ao contrário, as tensões entre sobreviventes funcionam como uma camada adicional de instabilidade, mostrando que a ameaça biológica não elimina a antiga competição que já organizava o mundo.
Entre perseguições, confrontos e passagens de forte impacto visual, algumas sequências chamam atenção pela ousadia, como a aparição de uma criança zombificada, cuja imagem rompe limites que parte do cinema evita. Esses momentos sustentam a ideia de que o colapso não preserva inocências e que a mutação do vírus não distingue perfis, apenas expande a escala do desastre. A técnica aplicada aos efeitos especiais é consistente e busca moderação, evitando excessos gráficos desnecessários, o que favorece uma experiência mais seca e coerente com o tom geral.
A etapa final amplia o escopo de ação, elevando a violência a um patamar mais intenso. Embora esse aumento abrupto de escala possa soar descompassado para quem acompanhava o ritmo mais contido do início, ele reforça o caráter imprevisível do ambiente em transformação. Miguel, Napoleão e poucos sobreviventes tentam se mover pela cidade em ruínas, enfrentando infectados que se deslocam com rapidez desorientadora. O desfecho sublinha a impossibilidade de qualquer resolução total: resta uma sensação de fronteira ainda aberta, como se o território narrativo tivesse apenas sido atravessado pela primeira vez.
“Apocalipse Z: O Princípio do Fim“ se sustenta na combinação entre urgência física e desgaste emocional, compreendendo que a sobrevivência não depende apenas de vigor ou estratégia, mas da capacidade de reorganizar significados quando tudo ao redor deixa de ter ordem reconhecível. Essa percepção final, mais inquietante do que qualquer ameaça externa, é o que permanece quando a tela escurece.
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