A trama de “O Ultimato Bourne” retoma Jason Bourne em fuga, ainda tentando decifrar o próprio passado enquanto é caçado pela mesma estrutura de inteligência que o treinou para matar. Uma reportagem sobre um programa secreto da CIA expõe brechas da agência e volta a ligar o nome do ex-agente a operações ilegais, o que reacende o interesse de superiores em silenciá-lo e em apagar rastros. A partir daí, a narrativa acompanha o personagem enquanto ele tenta chegar às pessoas que guardam peças de sua memória, sempre um passo à frente de equipes que rastreiam cada chamada, câmera e deslocamento urbano.
Terceiro filme da franquia iniciada com “A Identidade Bourne”, “O Ultimato Bourne” traz Matt Damon novamente no centro da ação, apoiado por Julia Stiles, Joan Allen, David Strathairn e Paddy Considine, sob direção de Paul Greengrass. A produção é uma adaptação livre do romance de espionagem “The Bourne Ultimatum”, de Robert Ludlum, que fornece o universo de complôs e operações clandestinas, ainda que o roteiro siga um caminho próprio. Nesse contexto, o longa assume a tarefa de fechar um ciclo dramático iniciado quando o protagonista foi encontrado sem memória em alto-mar.
O percurso dramático acompanha um homem que precisa enfrentar não apenas quem o persegue, mas também o que fez antes de perder a memória. Cada pista o aproxima do centro de um programa que transformava recrutas em assassinos treinados, com promessas de propósito e patriotismo. Ao seguir jornalistas, ex-chefes e técnicos envolvidos no esquema, o personagem reencontra decisões tomadas em salas de treinamento, interrogatórios e missões limpas nos relatórios, mas cheias de corpos pelo caminho. A partir desses encontros, cresce a percepção de que a ameaça não está apenas em inimigos externos, e sim em rotinas internas que passaram a tratar vidas como números.
Greengrass filma esse avanço com câmera próxima aos corpos, privilegiando corredores apertados, escadas, carros em alta velocidade e ruas cheias. O enquadramento treme, muda de eixo e se aproxima do rosto dos personagens em meio a multidões, o que reforça a sensação de urgência. A montagem recorta trocas de olhares, gestos rápidos e mudanças de rota para que o público acompanhe os deslocamentos de Bourne e das equipes da CIA quase em tempo real, com cortes que alternam o centro da perseguição e as salas de controle que acompanham tudo por telas. A clareza espacial se mantém mesmo na agitação, o que permite seguir quem cerca, quem recua e quem tenta flanquear a saída.
O diretor investe de forma constante na ideia de vigilância total. Operadores cruzam dados de passaporte, registros de hotel, câmeras de aeroporto e chamadas de celular em estações de trabalho cheias de monitores, enquanto superiores pressionam por resultados imediatos. A agência parece ter olhos em várias cidades ao mesmo tempo, mas também se revela dependente de decisões precipitadas, reuniões apressadas e disputas internas por autoridade. Essa combinação torna as operações vulneráveis a falhas humanas, o que reforça a tensão em cenas em que ordens contraditórias expõem alvos e agentes.
Matt Damon interpreta Bourne com economia de gestos e poucas falas, centrando o personagem em ações rápidas e observação constante do ambiente. O corpo permanece em alerta, atento a saídas alternativas, objetos que podem virar armas improvisadas e padrões de segurança de cada espaço. Nos momentos em que o ritmo desacelera, o ator enfatiza a rigidez do rosto e o olhar carregado de cansaço, sinal de alguém que começa a recordar o que fez e não consegue mais se esconder atrás da amnésia. Julia Stiles, como Nicky, ganha participação mais ampla e ajuda a sugerir uma história compartilhada de treinamento e medo, muitas vezes apenas pela forma como os dois dividem o mesmo quadro.
No núcleo institucional, Joan Allen representa uma gestora que tenta conter danos e compreender a extensão dos abusos, enquanto David Strathairn assume a figura do dirigente disposto a autorizar medidas cada vez mais agressivas para encobrir erros antigos. Esses dois polos ajudam a mostrar como a máquina estatal não funciona de forma homogênea: há quem tente responsabilizar pessoas e quem prefira aprofundar o sigilo. As cenas de gabinete, com discussões sobre autonomia de operações e limites legais, dão contexto às perseguições nas ruas e reforçam a ligação entre decisões administrativas e corpos em risco.
As sequências de ação se apoiam na geografia das cidades. Em Tânger, ruelas estreitas, escadas e telhados muito próximos criam um labirinto vertical que favorece saltos arriscados, mudanças bruscas de direção e confrontos corpo a corpo em espaços pequenos. O som de portas arrebentadas, passos acelerados e objetos quebrando sublinha a fisicalidade de cada embate. Em outra frente, perseguições de carro usam cruzamentos, viadutos e engarrafamentos para mostrar como veículos comuns se transformam em barreiras ou armas, dependendo de quem assume o volante. O momento decisivo em Nova York, com colisões em cadeia e um carro usado para abrir caminho à força, reforça a brutalidade dos choques entre quem foge e quem recebe ordem para não perder o alvo.
Se por um lado o filme mantém frescor ao explorar a vulnerabilidade de sistemas que deveriam ser infalíveis, por outro repete alguns traços da série. A dinâmica de localizar o protagonista por meio de novas pistas e mobilizar equipes para cercá-lo em mais uma cidade se repete em diferentes variações, o que pode soar previsível para quem conhece os capítulos anteriores. Alguns personagens coadjuvantes aparecem apenas o suficiente para iniciar uma nova perseguição ou oferecer uma informação crucial antes de sair de cena, sem tempo de construção mais ampla. Ainda assim, o foco em culpa, responsabilidade e violência institucional evita que a obra se reduza a uma sequência de operações espetaculares desligadas de consequências humanas.
O desfecho amarra a jornada ao processo que transformou o protagonista em arma do Estado, com ênfase no custo psicológico de participar de um programa que exigia abdicar de identidade e autonomia. Em vez de apostar em revelações mirabolantes, a narrativa destaca a banalidade de decisões tomadas em salas comuns, com mesas simples, fichas e filmagens de treinamento. A sensação final é a de que a história de Bourne se sustenta menos em conspirações improváveis e mais na normalização de práticas violentas em nome de uma suposta proteção. Ao reforçar esse quadro com imagens de escritórios, corredores, arquivos e telas que continuam acesas, “O Ultimato Bourne” encerra a trilogia com a ideia de que a guerra discreta da espionagem permanece em andamento, mesmo quando um de seus soldados tenta se afastar da linha de tiro.
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