A rotina de um colégio correicional raramente inspira qualquer projeção heroica, e talvez por isso mesmo “Steve” encontre força no retrato direto de um espaço onde responsabilidade pública, falhas institucionais e vulnerabilidade juvenil se chocam sem pausa. O filme parte de uma premissa simples: acompanhar um único dia na vida do diretor interpretado por Cillian Murphy, um sujeito que tenta sustentar a ordem em Stanton Wood enquanto administra seus próprios limites físicos e emocionais. A escolha por condensar tudo em vinte e quatro horas amplia a sensação de desgaste permanente; cada decisão chega sem aviso, cada pedido exige uma resposta imediata e cada aluno pressiona o ambiente até o limite suportável. O protagonista caminha de um cômodo a outro como alguém que apaga incêndios sem qualquer garantia de que o prédio ainda ficará de pé ao anoitecer.
Essa dinâmica ganha corpo a partir da chegada de uma equipe da BBC, cujo interesse em produzir um retrato institucional introduz um duplo deslocamento: de um lado, o registro das entrevistas expõe o quanto a escola funciona à beira do colapso; de outro, revela como Jenny (Emily Watson), Amanda (Tracey Ullman) e Lola (Little Simz) sustentam, com graus variados de cansaço, uma rotina dedicada muito mais à contenção do que à educação. Os poucos momentos de aula propriamente dita surgem como lampejos frágeis, rapidamente engolidos por discussões, provocações ou crises que se espalham pelos corredores. O ambiente é turbulento, mas coerente dentro de sua lógica interna: cada conflito é parte de um sistema que perdeu a capacidade de orientar seus alunos para além do dia seguinte.
Nesse contexto, Shy (Jay Lycurgo) torna-se o centro emocional mais instável de Stanton Wood. Sua energia dispersa nas cenas iniciais é apenas a superfície de um isolamento crescente, acentuado pelo afastamento da família. A relação entre ele e “Steve” estabelece um eixo dramático que atravessa o filme sem sentimentalismos, mas com clareza suficiente para revelar um vínculo marcado pelo reconhecimento mútuo de fragilidades. As conversas esparsas entre ambos mostram dois indivíduos que tentam manter algum controle sobre a própria vida, embora cada um tropece em limites distintos. No caso do diretor, o apoio de Amanda funciona como um contrapeso, mesmo quando ela demonstra impaciência com seu hábito de recorrer ao álcool para suportar o ritmo do lugar.
A presença do parlamentar Montague-Powell (Roger Allam) reforça a tensão estrutural que atravessa a trama: a escola custa mais do que a administração local está disposta a sustentar. O anúncio de fechamento em seis meses evidencia um cálculo político que trata aqueles jovens como números destinados a desaparecer do orçamento, e isso atinge a equipe com uma contundência silenciosa. O filme evita discursos explícitos e opta por pequenos gestos, como o cansaço que se acumula nos rostos dos funcionários ou a hesitação diante da câmera quando alguém tenta definir a si mesmo em três palavras. A resposta de “Steve”, muito, muito cansado, funciona como diagnóstico de um sistema inteiro que opera sempre no limite.
O recurso à gravação em fita que acompanha parte do dia do protagonista atua como um mecanismo que ordena o caos e, ao mesmo tempo, expõe o desgaste psicológico que ele tenta ocultar. À medida que a narrativa avança, percebe-se que o cansaço não é apenas físico, mas fruto da responsabilidade por um espaço que sobrevive apesar da negligência política. A atuação do elenco jovem contribui para essa leitura: Riley (Joshua J. Parker), Jamie (Luke Ayres) e os demais exibem comportamentos imprevisíveis, mas deixam transparecer uma dependência profunda daquele ambiente, mesmo quando o atacam.
“Steve” percorre esse microcosmo com objetividade e evita soluções confortáveis. O filme não busca suavizar a exaustão cotidiana nem oferecer saídas simbólicas; prefere registrar a tensão entre a tentativa de manter alguma ordem e a impossibilidade de controlar o que está prestes a ruir. Quando o dia termina, nada se resolve completamente, mas a compreensão do que sustenta Stanton Wood se torna mais nítida: um grupo de profissionais esgotados, jovens que oscilam entre violência e fragilidade, e uma estrutura pública que tenta se manter relevante enquanto luta para não desaparecer. Essa soma de forças conflitantes cria um retrato que permanece na memória não por grandiloquência, mas pela clareza incômoda com que expõe um sistema que se arrasta apesar de todas as provas de que seu fim já foi anunciado.
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