O conflito central de “Relatos Selvagens” envolve decisões que se aceleram até romper qualquer tentativa de controle. Em episódios distintos, Damián Szifron dirige um elenco que inclui Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia, Erica Rivas, Julieta Zylberberg e Óscar Martínez para mostrar personagens que começam com objetivos simples e, por causa de obstáculos acumulados, deixam de negociar condições e passam a reagir sem medir alcance. Como as histórias não se comunicam entre si, o interesse está na variação de motivos e resultados. Cada capítulo parte de uma situação comum e transforma esse ponto de partida em motor dramático quando uma escolha impulsiva altera ritmo, ponto de vista ou tempo disponível para resolver cada impasse.
O primeiro episódio estabelece a lógica do conjunto ao apresentar um grupo de passageiros que, durante um voo, passa a reconhecer conexões entre suas vidas e um homem ligado ao passado de todos. Quando essas associações se confirmam por meio de comentários cruzados e lembranças rápidas, o objetivo inicial de completar a viagem se transforma em tensão coletiva. O obstáculo não está apenas no espaço fechado, mas na sequência de descobertas que reduz alternativas. Szifron usa esse mecanismo para mostrar como a pressão psicológica de múltiplas revelações diminui o tempo do grupo até o clímax, quando resta administrar o impacto imediato.
O segundo episódio acompanha uma garçonete que identifica, em um cliente, o homem responsável por arruinar a vida de sua família. O objetivo dela é manter o atendimento sem chamar atenção, mas a cozinheira a incentiva a considerar uma resposta direta. A cada troca de olhares e sugestão feita atrás do balcão, o dilema ganha peso. A escolha entre seguir procedimentos ou buscar reparação altera o foco narrativo. Quando a garçonete hesita, a cozinheira toma a iniciativa e muda o curso da história. A sequência mostra como uma ação paralela pode deslocar totalmente o eixo do episódio, colocando a protagonista em posição de reagir às consequências de uma decisão que não tomou.
No terceiro episódio, um motorista de carro esportivo provoca um caminhoneiro em uma estrada deserta. O objetivo do primeiro é preservar sua sensação de domínio, enquanto o segundo tenta evitar conflito. A troca de provocações aumenta quando ambos ficam restritos ao mesmo trecho de estrada, sem rota de fuga. Cada gesto altera o ponto de vista e estreita a margem para recuo. Szifron filma esse embate com atenção ao espaço e ao tempo, mostrando como a limitação de rota transforma dois desconhecidos em adversários diretos. O clímax depende de ações físicas que reduzem ainda mais as escolhas e expõem os personagens ao risco gerado pelos próprios impulsos.
O quarto episódio acompanha um engenheiro que enfrenta uma multa considerada indevida. Ele tenta contestar a cobrança pelos meios oficiais, mas encontra sucessivas negativas que fazem seu objetivo recuar. A cada nova visita ao atendimento, cresce a sensação de impotência e aumenta o tempo desperdiçado. A repetição de burocracias cria a virada central, quando ele decide resolver a questão por conta própria. Esse gesto muda completamente o ritmo e o ponto de vista, transformando um cidadão comum em alguém disposto a usar conhecimentos técnicos para provocar reação pública. A direção acompanha essa mudança com elipses que aceleram a preparação para o clímax, no qual a ação ganha dimensão urbana.
O quinto episódio apresenta um empresário que tenta proteger o filho após um atropelamento fatal. O objetivo imediato é impedir que o jovem seja responsabilizado. Para isso, o pai negocia com advogados, policiais e um funcionário de confiança. Cada interlocutor acrescenta condições que alteram a dinâmica familiar. As conversas revelam como acordos feitos em ambientes privados ajustam prazos, redistribuem riscos e desgastam relações. O clímax se forma quando as exigências chegam a um ponto insustentável e o pai precisa escolher entre proteger a imagem da família ou assumir o custo real da situação. A negociação final abre espaço para consequências que se espalham pelas relações internas sem antecipar desfecho.
O sexto episódio se concentra em um casamento que desanda após a noiva descobrir, durante a festa, sinais de traição. O objetivo inicial é celebrar a união, mas a revelação altera o ambiente e transforma a recepção em disputa emocional. Cada gesto dela muda o rumo da comemoração e pressiona o noivo. A escalada se intensifica quando a noiva passa a usar os próprios convidados como instrumento de reação. Szifron acompanha os movimentos dela com cortes rápidos que reforçam perda de estabilidade. O clímax ocorre quando a personagem confronta o noivo diante dos presentes, criando uma cadeia de reações que afeta mesas, música e relações entre convidados, preparando terreno para uma resolução que o filme preserva.
Ao montar essas seis histórias, “Relatos Selvagens” constrói uma estrutura em que cada episódio funciona como estudo de causa e efeito. A fotografia alterna ambientes fechados e cenários abertos, sempre com ângulos que traduzem aumento de tensão. Quando o ponto de vista precisa se aproximar de um personagem para mostrar mudança de objetivo, a câmera reduz movimento e privilegia close. Quando a situação exige impacto social, como no episódio do engenheiro, a montagem acelera paralelismos e elipses para reforçar urgência. O som também altera percepção do tempo. Buzinas, portas metálicas e música de festa funcionam como marcadores de risco crescente, ampliando a sensação de instabilidade.
A força dramática do conjunto está na clareza com que cada episódio mostra como decisões apressadas, ressentimentos acumulados e oportunidades mal administradas conduzem personagens comuns a situações extremas. Cada história confirma que a combinação entre pressões externas e impulsos internos reduz o espaço para acordos e amplifica risco. Essa lógica se mantém até os últimos segundos, quando as consequências produzem uma imagem que sintetiza o efeito de escolhas feitas sob tensão e fecha o conjunto com constatação direta.
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