A rotina de uma mulher de 83 anos é alterada de forma abrupta quando as próprias filhas decidem que sua independência já não é admissível. A partir desse gesto, o filme “27 Noites” constrói um percurso que confronta a ideia confortável de que o envelhecimento exige docilidade e silêncio. O ponto inicial é simples: duas mulheres adultas, convencidas de que agem por proteção, conduzem a mãe, interpretada com firmeza por Rita Cortese, a uma instituição psiquiátrica sob a justificativa de um diagnóstico apressado de demência. A narrativa desmonta essa justificativa desde cedo, deixando evidente que a motivação real está ligada ao incômodo diante de sua liberdade, de sua vida social expansiva e da forma pouco convencional com que lida com a própria velhice.
O filme acompanha essa internação compulsória com atenção ao cotidiano que se forma entre a personagem e o corpo técnico do local. Dentro do espaço fechado, ela tenta preservar pequenos gestos que a mantêm conectada ao que era antes: conversas demoradas, a recusa em aceitar regras arbitrárias e a manutenção de uma postura que não se dobra com facilidade. Rita Cortese sustenta cada momento com um misto de lucidez e obstinação que desmonta qualquer tentativa de reduzir a velhice a uma fase de submissão. Humberto Tortonese se destaca como aliado improvável, alguém que capta a vitalidade que ainda pulsa nela e funciona como contraponto à rigidez das filhas.
À medida que o encadeamento de episódios se desenvolve, a narrativa expõe a tensão entre o discurso institucional de cuidado e a realidade de confinamento. As decisões tomadas sem consulta, a vigilância constante e a perda do direito a escolhas mínimas revelam um padrão de tratamento que ultrapassa o caso particular e atinge um debate social amplo. O filme não exagera nesse ponto; prefere inserir cenas precisas em que a personagem tenta recuperar o mínimo de autonomia e encontra barreiras jurídicas, médicas e afetivas. É nesse processo que seus amigos outsiders, interpretados por um elenco secundário afiado, entram em cena. Eles planejam formas de reverter a situação, não como caricaturas libertárias, mas como pessoas que reconhecem nela alguém que não quer abandonar a própria existência aos protocolos.
O conflito com as filhas, interpretadas por Julieta Zylberberg e Florencia Raggi, impulsiona a reflexão. Elas não são construídas como vilãs, mas como adultas que confundem controle com cuidado. O filme evita simplificações e evidencia como a ideia de proteger um idoso pode se transformar em mecanismo de apagamento. Quando a personagem confronta diretamente essas duas mulheres, fica claro que a questão não gira em torno de doença, mas de conveniência: é mais fácil administrá-la em um espaço fechado do que aceitar seus hábitos, sua generosidade sem cálculo e sua recusa em seguir um roteiro de velhice comportada.
A libertação da personagem é consequência de um acúmulo de pressões, tentativas de mediação e finalmente da percepção das filhas de que atravessaram um limite. O pedido de desculpas ao final das 27 noites não resolve tudo, mas reconhece o erro fundamental: tratar a velhice como período de tutela compulsória. A força do filme está justamente na recusa em abandonar esse ponto. Ele devolve ao espectador a pergunta incômoda sobre como definimos liberdade quando a idade avança e quem tem o direito de administrá-la. Essa pergunta ecoa mesmo depois que a história termina, não como provocação abstrata, mas como constatação de que a maturidade tardia continua sendo um território disputado.
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