“A Grande Mentira” parte de uma premissa simples: a confiança, quando manipulada, transforma-se em arma de longo alcance. O filme constrói seu percurso apoiado na figura de Roy Courtnay, cuja experiência em enganar revela mais do que esperteza; traduz um tipo específico de inteligência que prospera onde a ética perde densidade. A narrativa dedica seus primeiros movimentos a mapear esse terreno, investindo na relação entre o vigarista e a viúva Betty McLeish, que se torna, aos poucos, o centro de um jogo menos previsível do que parece. O ponto de interesse não está nos truques de roteiro, mas na tensão entre um homem acostumado a controlar cada passo e uma mulher que, silenciosamente, altera o ritmo da partida.
O filme adota uma estrutura que se apoia no deslocamento da percepção do público. O protagonista, inicialmente tratado como figura dominante, começa a perder firmeza à medida que a trama evidencia o desgaste de suas estratégias. Não é um percurso marcado por grandes revelações; trata-se de um processo gradual, que confronta o espectador com a fragilidade de um personagem moldado para inspirar confiança apenas em quem ele deseja explorar. Essa escolha narrativa funciona melhor quando o filme observa o comportamento do golpista com frieza quase metodológica, permitindo que a história se concentre menos no artifício e mais na mecânica das relações de poder.
O principal problema surge quando a produção decide intensificar o impacto dramático por meio de uma reviravolta tardia. A revelação altera o eixo da narrativa, mas não encontra sustentação suficiente no que veio antes. A mudança de foco parece desconectada do desenvolvimento prévio, gerando uma sensação de quebra estrutural. A protagonista é reposicionada de forma abrupta, e a trama exige que o espectador aceite essa guinada como consequência lógica, quando o filme não construiu condições para isso. O resultado compromete a coerência interna e enfraquece o valor dramático do desfecho.
Ainda assim, “A Grande Mentira” encontra força na experiência de seus intérpretes. As cenas entre Ian McKellen e Helen Mirren demonstram domínio técnico e compreensão profunda das nuances do conflito. Esse embate silencioso sustenta o interesse mesmo quando o roteiro perde solidez. Existe precisão no modo como os dois se movimentam dentro de um espaço regido por suspeita e cálculo, e essa precisão torna o filme mais consistente do que sua dramaturgia sugere. A direção, por sua vez, mantém um controle rígido do ritmo, evitando excessos e garantindo que o foco permaneça no confronto entre aparência e intenção.
O longa se apoia, portanto, em uma observação quase clínica das relações humanas, sem recorrer a sentimentalismo ou heroísmo consolador. Sua maior virtude está na capacidade de expor a vulnerabilidade de personagens que acreditam dominar seus próprios limites, mas que acabam confrontados por escolhas passadas que nunca foram plenamente resolvidas. O filme se torna mais interessante quando abandona a tentativa de surpreender e se concentra na deterioração moral de seu protagonista, permitindo que o espectador identifique, nos gestos repetidos e nas hesitações sutis, o custo acumulado de uma vida construída sobre manipulação.
A sensação final é a de um projeto que encontra momentos de lucidez, embora nem sempre saiba utilizá-los em benefício da própria estrutura. “A Grande Mentira” não desperdiça o talento de seu elenco, mas tampouco consegue sustentar o peso de suas ambições dramáticas. O que permanece é o estudo de um homem que acreditava dominar cada variável e que, ao ser confrontado por uma história que escapou de seu controle, revela o esgotamento de um método que já não lhe garante vantagem. Essa constatação, mais do que qualquer virada de roteiro, é o que confere algum interesse duradouro ao filme.
★★★★★★★★★★

