“Fogo contra Fogo” acompanha dois homens que atuam em lados opostos da lei e conduzem a própria vida com rigor quase militar. Neil McCauley, interpretado por Robert De Niro, é ladrão profissional especializado em assaltos complexos, cercado por uma equipe treinada para planejar rotas, calcular tempos e recuar sem hesitação quando algo foge ao previsto. Do outro lado está Vincent Hanna, vivido por Al Pacino, detetive da divisão de crimes graves em Los Angeles, acostumado a responder primeiro, dormir depois e assistir ao desgaste da família à distância. Um assalto a carro-forte que termina com mortos aproxima os dois e inicia uma perseguição prolongada pela cidade.
Logo nos primeiros minutos, “Fogo contra Fogo” apresenta o núcleo de personagens que orbitam esse duelo. Ao redor de McCauley estão Chris Shiherlis, de Val Kilmer, especialista em armas e fuga, e outros comparsas que dependem diretamente do sucesso dos golpes para manter dívidas e compromissos pessoais sob controle. Já Hanna comanda uma equipe policial que passa noites rastreando pistas, analisando vestígios e cruzando fichas criminais, enquanto tenta preservar algum resquício de vida doméstica com a esposa Justine e a enteada. Michael Mann dirige essa trama policial com atenção aos rituais de preparação, às reuniões de grupo e à pressão constante do tempo.
A narrativa avança a partir de uma sequência de assaltos planejados nos mínimos detalhes. O roubo inicial revela o modo como McCauley conduz a equipe: aproximação rápida, uso de armas pesadas para intimidar seguranças, retirada em poucos minutos e abandono imediato dos veículos usados na ação. As falhas que surgem nesse processo fornecem material para a investigação de Hanna, que passa a rastrear armas, cruzar boletins de ocorrência e deduzir padrões de comportamento dos criminosos. Cada pequeno erro abre brecha para que a polícia se aproxime, e cada avanço da investigação obriga o grupo de McCauley a apertar ainda mais suas margens de manobra.
Mann filma Los Angeles como um espaço de corredores luminosos e vazios, dominado por avenidas largas, viadutos e uma orla marcada por luz artificial. À noite, carros avançam por túneis e pistas elevadas enquanto helicópteros vigiam de cima, desenhando uma cidade que parece sempre em estado de alerta. Essa clareza espacial ajuda o espectador a acompanhar perseguições, cercos e recuos, seja em deslocamentos discretos, seja em trocas de tiros em plena via pública. As cenas mostram onde cada personagem está, quem cobre qual flanco e de que maneira a polícia tenta encurralar a quadrilha em terreno aberto.
A sequência do assalto ao banco condensa a abordagem do diretor à ação. A câmera acompanha o grupo entrando no prédio, tomando conta do salão, controlando clientes e funcionários, esvaziando o cofre e recuando em direção à rua com bolsas cheias de dinheiro. Do lado de fora, a polícia se posiciona atrás de carros e pontos de apoio, prepara o cerco e espera o momento certo para avançar. Quando o confronto começa, o som dos disparos domina a cena, e os personagens alternam avanço, recuo e cobertura em meio ao trânsito interrompido. O resultado é a sensação de estar diante de uma operação em que cada erro custa vidas e segundos preciosos.
Paralelamente às ações policiais e criminosas, “Fogo contra Fogo” acompanha a corrosão da vida privada de Hanna e McCauley. O detetive mal consegue ficar em casa; sua esposa acumula frustração com a ausência constante e com a incapacidade dele de ouvir qualquer assunto que não envolva o trabalho. A enteada encontra pouco apoio emocional e carrega sinais de abandono. Do outro lado, McCauley vive em uma casa quase vazia, com poucos objetos pessoais, fiel à regra de nunca se apegar a nada que não possa abandonar em 30 segundos se sentir a polícia por perto. Quando conhece Eady, uma mulher que encontra por acaso em uma livraria, essa regra passa a ser testada.
O interesse do filme recai sobre o modo como esses homens administram, ou falham em administrar, o conflito entre disciplina profissional e desejo de alguma forma de afeto. Hanna se mantém desperto graças ao caso que persegue; quando está longe das ruas, parece deslocado, incapaz de reduzir a intensidade. Pacino marca o personagem com fala acelerada, explosões de impaciência e um olhar que resta sempre voltado para o próximo passo da investigação. McCauley, em contraste, permanece contido, escolhe cada palavra e mede qualquer aproximação. De Niro constrói um sujeito que raramente demonstra medo, mas hesita quando percebe que o romance recém-iniciado ameaça sua capacidade de recuar.
O encontro dos dois em uma lanchonete, no meio da madrugada, sintetiza o respeito tenso que um nutre pelo outro. Sentados frente a frente, sem armas à mostra, conversam sobre o próprio trabalho e admitem o que podem perder se o confronto chegar ao fim. Hanna declara que não sabe viver de outro modo; McCauley reconhece que não enxerga outro caminho para si. A conversa não resolve nada na prática, mas firma um pacto silencioso: cada um continuará avançando até o limite, aceitando o risco de enfrentar o outro em campo aberto.
A montagem alterna sequências de assaltos, investigações e cenas domésticas, mantendo progressão constante. O filme reserva tempo para mostrar reuniões da quadrilha em galpões isolados, reconhecimento prévio de áreas que podem servir de rotas de fuga, testes de armas e ajustes em planos quando a polícia se aproxima demais. No lado de Hanna, vê-se o uso de escutas, interrogatórios, vigilâncias demoradas em estacionamentos e cruzamento de informações com outras equipes. O som acompanha essa alternância: em ambientes externos predominam sirenes, passos e disparos; em interiores, o que se ouve é a dificuldade de manter conversas inteiras sem interrupção.
“Fogo contra Fogo” também amplia o impacto dramático ao dedicar espaço aos coadjuvantes. Chris, interpretado por Val Kilmer, vive pendurado em dívidas e tenta preservar o casamento com Charlene, que hesita entre proteger o marido e entregar informações em troca de segurança. Outros integrantes da quadrilha cogitam abandonar o crime, mas se veem puxados de volta por necessidades financeiras ou por falta de alternativas concretas. Na polícia, os parceiros de Hanna compartilham cansaço e alertam para a possibilidade de o caso escapar de controle, sem deixarem de seguir o chefe nos cercos mais arriscados.
À medida que a cidade se torna menor para tantos movimentos, as margens de escolha se estreitam. McCauley precisa decidir se mantém o plano de fuga ou se atende a impulsos de vingança e apego, colocando em risco tudo o que construiu. Hanna avalia até que ponto aceita correr atrás do suspeito em condições cada vez mais hostis. O desfecho, construído em área aberta, nas imediações do aeroporto, conclui esse duelo sem celebração e reforça a sensação de que ambos caminharam até o limite permitido pelo mundo que escolheram habitar.
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