Asolidão pode impulsionar uma pessoa a buscar em relações frágeis o vigor de um tempo morto. Num mosaico de vazios, levantam-se promessas e muitas falsas esperanças, ocultas sob a influência de amizades monstruosas. Em “A Grande Mentira”, como o título sugere, nada é exatamente o que parece, mas o diretor Bill Condon cerca-se de todos os cuidados para que o enigma perdure. Seu elegante thriller apoia-se no carisma de duas lendas da arte dramática inglesa para tapear o público, que tem a certeza de que existe algo de podre no ar, mas não sabe o quê. Ian McKellen e Helen Mirren levam o espectador a tomar parte num jogo de baixos interesses e manipulação pesada, até que um dos dois saia vencedor. E quem ganha mesmo somos nós.
Baseado no romance homônimo publicado pelo britânico Nicholas Searle em 2015, o roteiro de Jeffrey Hatcher concentra um bom naco da história na Londres de 2009, onde um homem e uma mulher já entrados em anos mentem num site de encontros em busca do par ideal. Tragando um charuto, ele informa que não fuma, enquanto ela, bebericando uma taça de vinho tinto, responde que não é chegada a álcool. Quando terminam essa primeira encenação, passam ao chat e marcam um jantar. Eles apresentam-se como Brian e Estelle, mas são, na verdade, Roy Courtnay e Betty McLeish, nada de mais em interações dessa natureza, porém como se vai verificar, ambos mantêm sua verdadeira identidade num baú no porão de suas lembranças, elemento que garante a substância dramática do longa. Tudoavança rápido entre eles, e quando a audiência se dá conta, Roy está frequentam a aconchegante casa de Betty no subúrbio, embora Stephen, seu neto e único parente, nutra-lhe um desprezo gratuito e mal o tolere. O golpe que Roy pretende aplicar em sua nova amiga está em franca marcha, e parece que será bem-sucedido. Quando Roy reclama de uma dor no joelho e é convidado a passar uma temporada no quarto de hóspedes, o rapaz tem certeza de que é hora de tomar uma atitude drástica.
No primeiro ato, Roy é visto exercendo suas habilidades de estelionatário contra uma dupla de conhecidos e uns russos, e esse é outro dos arcosdesenvolvidos por Condon, na hora certa. No intervalo de uma revelação e outra,o filme envereda pelo caudaloso fluxo de pensamento de Roy e Betty, realçando suas vaidades e inseguranças. O criminoso parece ter um prazer mórbido em ludibriar mulheres,submetendo-asao torturante dilema de denunciar e serem humilhadas ou apenas resignar-se com o monumental prejuízo, ficando gratas por não terem passado por nenhuma agressão maior. A potencial vítima, por seu turno, tem uma carta na manga, todavia é capaz de deixar que Roy suponha estar no controle, e essa frieza dos dois vira o ponto alto da trama. A determinada altura, eles assistem a uma sessão de “Bastardos Inglórios” (2009), a versão de Quentin Tarantino para a queda de Hitler, e uma boa evidência para que se compreenda o que ocorre no desfecho. A segunda pista é oquadro de lírios na parede da cozinha de Betty, que desencadeia a solução do mistério, depois de ela e Roy acertarem a transferência de seis milhões de libras para uma conta conjunta. Nesse instante, eles voltam a um evento íntimo na Alemanha de 1943, e as máscaras desses dois fingidores caem, finalmente. Sem margem para afeições.
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