Se você não rir por 100 minutos com essa comédia da Netflix, revise seu senso de humor John P. Johnson / New Line Productions

Se você não rir por 100 minutos com essa comédia da Netflix, revise seu senso de humor

Três colegas de trabalho passam as noites em um bar repetindo o mesmo ritual: relatar humilhações no escritório, contar pequenas derrotas pessoais e imaginar saídas que nunca chegam. Um suporta jornadas extensas sob ameaça constante de demissão, outro vê a empresa ser corroída por decisões irresponsáveis, enquanto o terceiro tenta manter a sanidade diante de investidas explícitas no consultório onde atua. A soma de frustrações, bebida e falta de perspectiva abre espaço para uma ideia absurda que ganha corpo com rapidez: eliminar os chefes que transformam a rotina em castigo diário.

É nesse ponto que “Quero Matar Meu Chefe” posiciona seu ponto de partida. A comédia reúne Jason Bateman, Charlie Day e Jason Sudeikis como funcionários exaustos, cercados por patrões interpretados por Kevin Spacey, Jennifer Aniston e Colin Farrell, sob direção de Seth Gordon. O longa apresenta a tríade de subordinados acuados e o trio de chefes abusivos ainda nos primeiros movimentos, consolidando o conflito central antes de se dedicar às tentativas de transformar fantasia de vingança em plano concreto.

O filme trabalha com um reconhecimento imediato: a percepção de que muitos ambientes de trabalho naturalizam abusos. Metas inalcançáveis, ameaças veladas de rebaixamento, frases que disfarçam assédio sob piadas e elogios forçados aparecem nas conversas iniciais entre os amigos. Cada relato alimenta a indignação do grupo e mostra como pequenas concessões diárias permitem que a violência simbólica se torne rotina. A comédia exagera esses gestos, mas conserva detalhes suficientes para manter a sensação de familiaridade para quem já presenciou chefias que confundem comando com intimidação.

Seth Gordon assume um ritmo leve, baseado em diálogos rápidos e encenações que exploram o corpo dos atores em situações de constrangimento. Em vez de construir grandes cenas de ação, a direção prefere acompanhar tropeços, entradas atrasadas em reuniões, tentativas de manter a postura enquanto tudo dá errado ao redor. A câmera permanece próxima dos rostos, registra olhares de irritação engolida e sorrisos falsos diante de ordens absurdas, reforçando a distância entre o que os personagens pensam e o que conseguem dizer no ambiente formal do trabalho.

Jason Bateman interpreta o funcionário que acredita seguir todas as regras à espera de reconhecimento que nunca se concretiza. Sua expressão cansada diante de cada promessa vazia ajuda a sustentar a ideia de que a lealdade à empresa se converte em armadilha. Jason Sudeikis, mais expansivo, aposta em sedução e piadas improvisadas para lidar com chefias instáveis, o que o coloca em situações delicadas com famílias de superiores e colegas de escritório. Charlie Day compõe um personagem nervoso, de fala acelerada, que tenta ser correto enquanto se vê empurrado para um jogo muito maior do que consegue controlar.

Do lado de cima da hierarquia, Kevin Spacey vive o gerente que controla promoções, horários e bônus com cálculo frio. O personagem testa limites, distorce conversas antigas e usa informações pessoais como munição para pressionar o subordinado. Jennifer Aniston assume o papel da dentista que transforma o consultório em cenário de assédio constante, com frases explícitas e ameaças profissionais dirigidas ao assistente que se recusa a ceder. Colin Farrell interpreta o herdeiro que assume a empresa sem preparo, preocupado apenas com festas, drogas e gastos excessivos, tratando funcionários como acessórios descartáveis.

Essas figuras funcionam como caricaturas ancoradas em traços reconhecíveis. O filme reforça vícios e crueldades para justificar a escalada de indignação dos protagonistas, mas evita torná-los monstros distantes do cotidiano. A chave cômica se apoia na repetição: o chefe que marca reuniões absurdas, a dentista que interrompe atendimentos para pressionar o assistente, o playboy que assina demissões por capricho. Cada gesto amplia a sensação de que não há canal institucional onde reclamar, o que alimenta a ideia de buscar soluções fora da lei.

Quando a decisão de matar os chefes se estabelece como possibilidade real, os três amigos partem em busca de alguém que entenda de crime. A visita a um bar em região mais isolada da cidade rende o encontro com um suposto especialista, que oferece conselhos truncados e informações de origem duvidosa. A partir daí, a trama acompanha vigílias mal planejadas, visitas noturnas às casas dos patrões, discussões em carros estacionados em esquinas suspeitas e tentativas atrapalhadas de rastrear rotinas. O humor nasce da dificuldade do trio em seguir qualquer orientação mínima sem se confundir ou se denunciar.

A comédia tira proveito da falta de coordenação entre eles. Um esquece as instruções, outro interpreta tudo ao pé da letra, o terceiro tenta conciliar versões incompatíveis. Em diversas situações, o grupo discute alto demais, escolhe mal os esconderijos e registra informações em locais que podem ser facilmente encontrados. Gordon explora esses erros com cortes que sublinham a sequência de equívocos, sempre deixando claro onde cada personagem está e qual risco corre naquele momento. Essa clareza espacial ajuda a sustentar o ritmo leve e evita que o excesso de confusão desmonte a compreensão da trama.

Tecnicamente, o filme alterna ambientes fechados de escritório com espaços mais escuros e improvisados das tentativas de crime. No trabalho, a fotografia privilegia tons neutros, mesas alinhadas, corredores padronizados e salas de reunião envidraçadas, reforçando a sensação de vigilância constante. Nas escapadas noturnas, predominam ruas vazias, casas de subúrbio e bares com iluminação irregular, indicando o desvio de rota em relação às regras formais do expediente. A trilha sonora acompanha essa mudança, com músicas mais marcadas nas sequências de preparação e sons ambientes prolongados durante os dias de trabalho, quando o relógio parece avançar devagar.

O humor físico e verbal encontra apoio na química entre Bateman, Sudeikis e Day. As falas atravessadas, os olhares de reprovação mútua e as tentativas de manter seriedade diante de imprevistos sustentam a sensação de que são amadores perdidos em um projeto que não dominam. Em vários momentos, o filme explora o contraste entre a fantasia de serem estrategistas e a realidade de funcionários que mal conseguem mentir para o próprio chefe sem se atrapalhar. Isso mantém o tom leve mesmo quando a história lida com temas como violência e assédio.

“Quero Matar Meu Chefe” se apoia nesse equilíbrio entre absurdo e reconhecimento. A comédia exagera a resposta à opressão, mas registra com clareza a rotina que produz o desejo de ruptura. Chefes que controlam horários como castigo, consultórios que se transformam em armadilha e promessas de promoção usadas como isca compõem um quadro que muitos espectadores identificam em menor escala em suas próprias experiências. A graça aparece quando o plano falha mais uma vez e os três amigos precisam voltar ao trabalho na manhã seguinte, de crachá no peito, sustentando a farsa do cotidiano.

Filme: Quero Matar Meu Chefe
Diretor: Seth Gordon
Ano: 2011
Gênero: Comédia/Crime
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★