Oto apareceu no topo do morrinho com uma postura que Adi na mesma horinha classificou mentalmente como suspeita. Havia algo diferente no brilho dos olhos: não era alegria, não era fome, não era medo. Era vaidade pura.
— Adi… — começou ele, cheio de teatralidade.
E Adi, lá do outro lado, fechou os olhos. Pressentia dor. Sentia a maior preguiça.
— Não. Seja lá o que for, não.
— Você precisa saber.
— Já comecei mal o dia.
Oto respirou fundo, abriu os braços, deixou o sol bater no próprio peito magricela:
— Nós estamos na televisão.
Adi abriu os olhos devagar, como quem teme encontrar um meteorito a centímetros do focinho.
— Perdão?
— Na televisão! Trinta minutos. Todos os dias. Um programa só nosso! É o TV Suricatos, no canal 8!
— Não é possível.
— Assistem a gente enquanto comem, enquanto lavam a louça, enquanto esperam dar o horário do ônibus. Viramos estrelas nacionais!
Adi desceu do seu morrinho e caminhou até o de Oto, numa lentidão calculada, igual esloveno atravessando rua vazia para catar uma latinha amassada que algum troglodita jogou no chão: com indignação metódica.
— Isso é invasão de privacidade — decretou. — Um absurdo. Estão gravando nossa vida sem autorização.
— Adi, somos celebridades!
— Somos vítimas.
— Celebridades vítimas, talvez. Mas celebridades!
Oto fez pose. Tentou levantar a sobrancelha, mas suricatos não dominam esse tipo de nuance. Só conseguiu parecer assustado. Mesmo assim, sentiu-se elegante.
— Oto, pense comigo. A qualquer momento, alguém lá fora pode achar que conhece a gente.
— Eles já conhecem.
— Podem achar que têm intimidade.
— Já têm.
— Podem achar que até podem falar com a gente.
— Hum… bom… — Oto hesitou. — Talvez isso já esteja acontecendo.
Foi então que ouviram a primeira voz.
— Otoooo! Otooooo!
Oto virou-se devagar, saboreando o momento como quem cheira um prato antes da primeira garfada. Na plateia, três jovens — duas meninas e um rapaz — acenavam para ele com uma empolgação quase religiosa.
— Eu não disse? — murmurou Oto. — Fãs. Temos fãs.
Ele pronunciava a palavra monossilábica como se degustasse cada letrinha.
Adi levou a mão à testa:
— Isto só pode ser punição por algum crime que cometi em outra vida.
Aqueles empolgados três visitantes do zoológico de Ljubljana se aproximaram ainda mais do vidro. Uma das meninas ergueu o celular e disse:
— Faz o gesto! Faz aquele gesto que você faz na TV!
— Que gesto? — cochichou Adi.
— Acho que é quando eu fico em pé olhando para o nada com ar profundo.
— Oto… todos nós fazemos isso. O dia inteiro.
— Sim, mas parece que eu tenho mais carisma.
A menina bateu no vidro, excitada:
— Otooo! Autógrafo! Faz um autógrafo pra gente!
— Eles querem o quê? — Adi perguntou, incrédulo.
— Autógrafo.
— Autógrafo? Com o quê? Com que parte do corpo exatamente eles imaginam que você vá assinar?
Oto ficou em silêncio. Não tinha resposta. Nem membro adequado.
O rapaz então teve uma ideia genial, dessas que só surgem quando se é jovem e entusiasta:
— Tira uma selfie com a gente!
— Adi — disse Oto, tenso — o que eu faço?
— Você afasta. Se esconde. Se protege. Não alimente o delírio.
Oto hesitou por meio segundo — o suficiente para seu próprio ego tomar o volante. Subiu um pouco mais no morrinho, estufou o peito, fez cara de suricato pensador.
Foi possível ouvir o clique do outro lado do vidro.
Oto sorriu.
Adi fechou os olhos, derrotado.
— Eles vão postar isso — resmungou Adi. — E aí milhões vão achar que você é acessível.
— Mas eu sou.
— Esse é justamente o problema.
Os três visitantes foram embora radiantes, como quem encontra um famoso no mercado e acha que vivenciou um golpe bonito do destino, esse bailarino dos enredos. Oto ainda os acompanhou com o olhar — um olhar de estrela, que tenta parecer humilde mas é puro convencimento.
— Adi…
— Não, Oto. Nem comece.
— Eu… acho que preciso de um agente.
— Você precisa de juízo.
— Uma assessoria de imprensa, talvez.
— Um psicólogo.
— Será que vão querer me entrevistar?
— Oto… se você der entrevista, eu juro que mudo de toca.
Oto suspirou, grandioso, iluminado por uma glória que só ele enxergava:
— É difícil ser amado.
Adi fitou o horizonte, melancólico.
— A fama é uma ventania: levanta poeira, bagunça tudo e, depois que passa, deixa só silêncio.
— Bonito isso.
— Não é bonito. É verdade.
Um silêncio caiu entre os dois. Depois, Oto perguntou, meio tímido, meio constrangido:
— Mas… você acha que eu fico melhor no meu lado direito ou esquerdo do recinto?
Adi não respondeu. Entrou na toca como quem abandona o mundo por razões superiores.
Oto ficou ali, sozinho no pequeno morro, olhando para o vidro que refletia seu próprio corpo esticado.
Tentou ensaiar um sorriso novo — aquele que imaginava que seria mais televisivo.
Não funcionou.
Mas ele persistiu. Estava, afinal, praticando sua pose de estrela.
Foi possível ouvir a voz de Adi, ecoando lá do fundo da toca:
— Oto, você sabe que até as estrelas precisam de escuridão para aparecer, né?
— Ah — Oto fez cara de decepção. — Então é por isso que ninguém me vê brilhando de manhã.
Continuou tentando. Aprimorava caretas e contorcionismos como quem se sabia protagonista do TV Suricatos. Roubaria a cena na edição seguinte.
