Há algo de deliciosamente repulsivo em “Psicopata Americano”. O filme é um espelho de corpo inteiro que reflete não o monstro, mas o espectador. Nós, com nossos sorrisos bem treinados, nossas vidas editadas em filtros e nossas angústias embrulhadas em sacolas de grife. Patrick Bateman (Christian Bale) não é um psicopata isolado em sua torre de vidro; é o filho mais fiel de um capitalismo que devora a si mesmo em busca de sentido. Ele mata, sim, mas antes disso, consome, e é devorado.
O fascínio por Bateman nasce dessa contradição essencial: o homem que quer ser visto enquanto apaga qualquer traço de si. Sua vida é um desfile de logomarcas, dietas, playlists e máscaras de beleza que fariam Narciso chorar de inveja, não por vaidade, mas por eficiência estética. Em “Psicopata Americano”, a violência é apenas a consequência lógica de um sistema que transforma desejo em mercadoria e individualidade em performance. Bateman mata porque não consegue existir fora do olhar do outro. É a criatura que o espelho do consumo produziu e que, ao se ver refletida demais, perdeu o contorno.
O mais perverso do filme é que a loucura de Bateman não causa espanto em seu meio. Ele é indistinguível dos demais yuppies: ternos idênticos, corpos malhados, vozes moduladas em um mesmo tom de indiferença. Todos trocáveis, todos ambiciosos, todos à beira do colapso. A obsessão pelos cartões de visita, com seu “branco osso” e letras em relevo, é a metáfora perfeita: o delírio pela diferenciação dentro de uma massa que se pretende única. Ninguém ali tem nome, só marca. A violência de Bateman, portanto, é quase banal; ela não choca, apenas confirma o diagnóstico de uma sociedade que perdeu a capacidade de distinguir o real do simulacro.
Há também uma ironia sutil, quase cruel, no fato de que “Psicopata Americano” foi dirigido por uma mulher. Mary Harron compreendeu com precisão cirúrgica, sim, uma ironia inevitável, que a masculinidade exibida por Bateman é uma paródia do poder. Ele deseja ser o predador absoluto, mas é só um boneco performando virilidade. Sua musculatura é uma armadura frágil, construída para esconder um pavor infantil: o de ser invisível. O sexo que pratica não é prazer, é confirmação; cada espasmo um lembrete desesperado de que ainda existe.
O filme, com sua estética limpa e sua trilha sonora pop, nunca tenta nos convencer de que há uma fronteira nítida entre normalidade e psicose. Ao contrário: dissolve essa linha até que o espectador se veja cúmplice. Quando Bateman confessa seus crimes e ninguém acredita, o absurdo é total, mas coerente. Afinal, num mundo em que tudo é fachada, a verdade se torna apenas mais uma narrativa mal escrita.
O humor ácido do roteiro, muitas vezes lido como mero exagero, é na verdade o ponto mais realista do filme. Há algo de hilário em assistir à elite americana discutir seriamente o tipo de papel usado em convites corporativos, enquanto corpos desaparecem no ar-condicionado da Wall Street dos anos 80. A risada que escapa é nervosa, cúmplice, porque sabemos que aquela lógica de espetáculo e vazio sobrevive, apenas trocou os ternos Armani por influenciadores digitais.
“Psicopata Americano” não é uma história sobre um assassino, mas sobre um sistema que torna o assassinato uma consequência estética. Bateman é o produto final de uma sociedade que trocou ética por aparência, desejo por aprovação e vida por performance. E talvez o mais perturbador seja perceber que, sob o terno e o sorriso, ele apenas teve a coragem, ou o colapso, de viver a farsa até o fim.
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