Eu sei como alimentar o silêncio com os meus olhos

Eu sei como alimentar o silêncio com os meus olhos

Mulher solteira procura pessoas de todos os sexos — seres humanos de maneira geral — para relacionamento de amizade e, quem sabe, algo mais íntimo, do tipo escrever poemas a quatro mãos, drenar um postema nas costas da pessoa amada ou assistir com ela ao nascer do sol na varanda de uma casa tipo rancho à beira de um lago. Não sou puta, desinibida, completa e, muito menos, universitária. Mas já me agraciaram com o diploma de estranha. Eu como com os olhos. Eu lambo com a testa. Faço a nau conforme o rio, gostosinho e sem frescura. Quem me navega já sabe que eu mais rio do que choro. Ainda assim, sou boa companhia para a solidão porque sei como alimentar o silêncio com os meus olhos. Já pari menino. Já dei de mamar. As minhas tetas despencaram. Não me falem em silicone. Tenho os pés pequenos e tantos caminhos a percorrer que até eu duvido. Se eu quisesse morrer eu já tinha morrido. Acontece que amo a vida, embora, muitas vezes, ela demonstre que não me ama na mesma proporção. Meu bumbum é normal. Nem grande. Nem pequeno. Nem arrebitado. Nem caído. Ele nunca sorriu — não que eu tenha sabido — mas possui um orifício no meio, funcional, discreto e amigo. Eu gosto de rir. Eu gosto de dançar. Eu gosto de me fazer de doida. Eu gosto de andar descalça. De tomar banho de chuva. De beijar de língua e de fazer um oral em francês. C’est la vie mon chéri. Eu lavo. Eu cozinho. Eu já conheci Paris. Eu coso e lavo as minhas roupas. Acordo cedo. Ganho o meu próprio dinheiro. Cumpro jornadas diárias de oito horas num emprego exaustivo. Apesar disso, não curto sadomasoquismo. Aliás, eu adoro o que faço, pois, trabalho para viver e não o contrário. Bato metas, mas também apanho flores nos canteiros. Mantenho a tristeza presa nas cordas. Eu sou desequilibrada na dose certa, nada que justifique o uso de elixires ou comprimidos. Errar todo mundo erra, disso eu não duvido. Acontece muito comigo. Afinal, ninguém garante o que se passa no coração da gente na busca incansável pela felicidade. Mulher solteira procura. Pois, como escreveu Guimarães Rosa, qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.     

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 60 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.