Após um assassinato que desorganiza a hierarquia de uma gangue de hooligans, o braço direito mais ambicioso assume o volante e precisa provar competência em um ambiente que desconfia de qualquer sinal de fraqueza. Em meio a disputas por território, a polícia aproxima-se e rivais farejam a chance de atacar. “Furioza 2” insere esse ponto de partida em um cenário de ruas úmidas, estádios que funcionam como templos profanos e armazéns onde acordos são firmados com o punho. O longa tem direção de Cyprian T. Olencki e traz como protagonistas Mateusz Damięcki, Szymon Bobrowski e Łukasz Simlat, trio que encarna lealdades quebradiças, impulsos de mando e pragmatismo frio.
O enredo segue a escalada do novo líder, pressionado a equalizar três frentes. A primeira é interna: preservar a unidade do grupo diante de antigos companheiros que enxergam oportunismo na ascensão. A segunda é externa: rivais percebem rachaduras e testam limites, enquanto fornecedores cobram prazos e resultados. A terceira tem caráter institucional: a polícia monitora movimentações, mapeia encontros e busca o momento certo para desferir um golpe. O personagem central, visto como herdeiro improvável, tenta converter violência em modo de comando, alternando gestos de conciliação com demonstrações exemplares de força. O preço aparece no controle obsessivo de informações e na paranoia que pauta decisões.
O filme reforça a tradição de crime europeu ancorada em espaços apertados e ações de alta proximidade. Brigas acontecem em corredores, estacionamentos e salas onde a distância entre duas pessoas equivale ao alcance de um soco. A câmera insiste em rostos suados, punhos cerrados e respirações aceleradas. Em vez de explosões grandiloquentes, predominam impactos secos e quedas duras, sempre com uma leitura clara do posicionamento dos corpos. A fotografia aposta em contrastes frios que fazem da noite um território de perseguições e conversas tensas. Quando o dia chega, nada alivia, apenas revela cicatrizes recentes.
Mateusz Damięcki compõe um chefe que equilibra carisma calculado e brutalidade funcional. A fala é medida para evitar contradições públicas e a violência, quando usada, cobra tributo subjetivo. Szymon Bobrowski imprime experiência de sobrevivente que conhece todos os atalhos e sabe o valor de uma meia verdade, enquanto Łukasz Simlat age como sombra administrativa, sempre perto da contabilidade do crime e das rotas de fuga. O trio sustenta a tensão entre o que se diz em reuniões e o que se decide em silêncio, zona onde fidelidade costuma ter prazo de validade curto.
A trilha sonora trabalha com graves enxutos, batidas metálicas e coros de torcida que, fora do estádio, soam como alerta. O desenho de som valoriza passos em andares vazios, portas que se fecham depressa e motores que ligam sem cerimônia. Essa opção colabora para afastar glamour e preservar o peso do cotidiano criminal. O barulho da cidade dá lugar a paisagens sonoras que lembram uma capital permanentemente em estado de prontidão.
Com cerca de noventa minutos, o ritmo evita dispersões. As cenas entram, desempenham função narrativa e saem. A economia formal serve à ideia de que cada encontro pode desmoronar em segundos, seja por uma frase mal colocada, seja por um gesto que trai insegurança. A concisão também impede que a história dependa de explicações alongadas. Em “Furioza 2”, sobrevivência é linguagem suficiente para compreender a lógica das escolhas.
As relações de poder ocupam o centro das atenções. O novo chefe precisa legitimar-se não apenas pelo medo que provoca, mas pela capacidade de manter a máquina funcionando. O filme observa como se constrói autoridade em um grupo que chama a si mesmo de família, mas age pela conveniência. A palavra dada vale até o próximo negócio, e a honra do estádio vira moeda em acordos com traficantes, atravessadores e policiais interessados em estatísticas. Nessas negociações, o que parece convicção costuma esconder necessidade.
Olencki retoma o universo apresentado em “Furioza” e desloca o foco da infiltração para o exercício do mando. Ao fazer isso, aponta para um tema que ultrapassa o submundo: a fabricação de heróis locais em comunidades que buscam pertencimento. Cânticos, tatuagens e rituais marcam fronteiras e reafirmam a ideia de tribo. A política desse microcosmo se espelha em disputas maiores, onde líderes transformam ressentimentos em senha de mobilização. A ponte entre arquibancada e rua funciona como comentário sobre a facilidade com que símbolos coletivos se tornam justificativa para violência em grupo.
Há escolhas que podem dividir opiniões. Em alguns momentos, a precisão do desenho cênico diminui a sensação de caos que naturalmente acompanha esse tipo de história. Em outros, diálogos explicam além do necessário, como se temessem que o subtexto passasse despercebido. Um gesto simbólico próximo ao desfecho flerta com a alegoria em demasia. Ainda assim, a narrativa mantém coerência interna e preserva a tensão que decorre de cada decisão tomada debaixo de pressão.
O elenco de apoio reforça os embates. Figuras que orbitam o chefe desafiam ordens, testam limites e antecipam fadigas que se acumulam em quem administra um negócio ilegal em expansão. Amizades antigas se convertem em relação de trabalho, parentesco vira risco de vazamento e a legenda da torcida, repetida como mantra, tenta sustentar uma moral própria. A polícia, por sua vez, não ocupa o lugar de consciência, mas o de parte interessada em golpes que rendam manchetes. O jogo é de soma negativa, e a cidade parece aprender a conviver com essa fatura.
A montagem prioriza continuidades claras e evita pirotecnia. A câmera não anuncia sua presença e raramente se permite virtuosismos. Essa sobriedade preserva a fisicalidade das ações e valoriza a leitura de causa e efeito. Uma reunião malsucedida tem consequência operacional rápida, um erro cometido em campo volta em forma de cobrança, um corpo que cai altera a disposição das peças. O filme acompanha essas cadeias de eventos sem recorrer a explicações didáticas.
“Furioza 2” está disponível na Netflix com uma proposta direta: acompanhar o nascimento de um comando e o desgaste que o acompanha. Ao privilegiar a gestão do crime em vez da descoberta de um infiltrado, a produção retoma o interesse do primeiro longa por códigos de masculinidade e pela aritmética das lealdades. Sem embelezar a violência, concentra-se nos efeitos práticos sobre corpos e relações e deixa um horizonte instável, no qual novas disputas podem brotar do mesmo caldo de ressentimentos que move essas torcidas.
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