“Lembranças” é um desses casos raros de longas que parecem banais e terminam como um soco no estômago. É fácil entender por que muitos começam o filme esperando uma história de amor adolescente e saíram em silêncio, incapazes de processar o que tinham acabado de ver. A surpresa não vem apenas do desfecho que se tornou quase lendário entre quem o descobriu sem spoilers, mas da forma como o filme se recusa a ser o que o marketing vendeu. Ele parte de um romance improvável e acaba se transformando em uma reflexão dolorida sobre perda, vínculos familiares e o acaso que atravessa a vida sem pedir licença.
Tyler (Robert Pattinson), o protagonista, é um jovem que vive à beira do colapso emocional. Carrega nas costas o luto do irmão, a distância afetiva do pai e um vazio que tenta preencher com ironia e desobediência. É aquele tipo de personagem que parece em constante briga com o mundo, e talvez esteja mesmo. A história começa com uma prisão banal e uma briga com um policial, mas esse episódio, que poderia ser apenas mais um clichê de juventude rebelde, acaba funcionando como o primeiro passo de uma cadeia de coincidências que vão transformar completamente sua trajetória. Quando ele se envolve com Ally (Emilie de Ravin), a filha do policial que o agrediu, a narrativa encontra seu eixo: o amor surge não como cura, mas como uma trégua momentânea dentro de uma guerra íntima que nenhum dos dois sabe vencer.
O filme constrói esse relacionamento com um cuidado incomum. Nada soa romântico no sentido açucarado; tudo é imperfeito, hesitante, humano. Tyler e Ally não são versões idealizadas de jovens sofrendo por amor — são pessoas tentando entender como continuar existindo depois de terem visto o pior da vida. E é aí que “Lembranças” se destaca. Ele fala sobre trauma sem transformar a dor em espetáculo. A tragédia, quando vem, não é um artifício narrativo, mas uma consequência natural de uma história que sempre esteve impregnada de melancolia. A dor está nas entrelinhas, nas conversas interrompidas, na forma como o pai evita olhar o filho nos olhos ou na solidão da irmã, que tenta se conectar a um mundo que não entende.
Robert Pattinson entrega uma atuação que, à época, pegou todo mundo de surpresa. Ainda marcado pela sombra dos vampiros melancólicos de “Crepúsculo”, ele mostra aqui uma intensidade crua, quase desajeitada, que casa perfeitamente com o caos interno de Tyler. Não há nada de glamour em sua performance; é vulnerável, nervosa, às vezes desconfortável de assistir, justamente por ser tão verdadeira. Ao lado dele, o elenco de apoio reforça a tensão familiar que atravessa o filme. Pierce Brosnan, como o pai distante, oferece um retrato amargo de homens que substituem afeto por controle. E Chris Cooper, no papel do policial atormentado, dá à história uma camada moral complexa, sem cair no maniqueísmo fácil.
O mérito maior do longa, porém, está na sutileza com que conduz o espectador até o abismo. Durante boa parte da trama, nada parece anunciar a magnitude do que está por vir. A narrativa se mantém contida, quase doméstica, até que o tempo e o espaço ganham um peso simbólico devastador. Quando percebemos onde estamos, e o que está prestes a acontecer, o impacto é inevitável. O final não é um truque barato, como alguns críticos sugeriram, mas um golpe de realismo trágico. É o lembrete de que, por mais que nos agarremos à rotina, à esperança ou às pequenas felicidades, há forças que nos ultrapassam. E “Lembranças” não tenta nos consolar: apenas observa o instante em que o cotidiano colide com a catástrofe.
O filme se passa em 2001, e essa informação parece quase irrelevante até o último ato. Quando o calendário revela o mês, o coração aperta, não porque o roteiro manipula o sentimento do público, mas porque compreendemos que a vida de Tyler, com todos os seus dramas pessoais, é tragicamente pequena diante da História. É uma virada que transforma o filme em algo maior do que seu enredo. A tragédia coletiva invade a ficção individual, e o espectador se vê diante de uma verdade incômoda: ninguém controla o tempo que tem. Essa consciência, que chega tarde demais para o protagonista, é o que torna “Lembranças” tão inesquecível.
O que emociona não é apenas o que acontece, mas o que fica suspenso no ar, o que não dá tempo de ser dito, o que é interrompido pela brutalidade do acaso. O filme nos lembra, com delicadeza e brutalidade em igual medida, que a vida é feita de encontros improváveis e despedidas involuntárias. Ele não promete redenção, nem respostas fáceis. Apenas nos convida a olhar para o que temos enquanto ainda há tempo. E, quando a tela escurece, é difícil não pensar em quantas vezes deixamos para amanhã o que poderia ser dito hoje.
“Lembranças” é um drama que disfarça sua força sob a aparência de um romance comum. É sobre pais e filhos que não sabem se perdoar, sobre amores que curam e ferem ao mesmo tempo, e sobre a imprevisibilidade da vida, essa entidade caótica que insiste em nos lembrar de que nada é garantido. Talvez por isso ele divida tanto opiniões: porque não entrega o conforto de uma catarse fácil, mas o desconforto de uma realidade incontornável. É o tipo de filme que te esgota e, ao mesmo tempo, te desperta. E quando termina, há apenas silêncio. Um silêncio que pesa, e que diz tudo.
★★★★★★★★★★